quinta-feira, maio 13, 2004
Daido Moriyama , Midnight , 1986.
- Como é que se recomeça a viver. outra vez?
- Não começa.
- Mas a vida continua. dia a dia. 24 sobre 24 horas.
- Achas? Tretas.
- Não tens relógio?
- Tenho. E não tenho. O meu não marca só horas. Marca?
- Já começas a divagar.
- Diz-me, o teu marca a filigrana do tempo?
- Filigrana?
- Sim. O teu relógio recebe impulsos do teu organismo?
- Como?
- Ah! Afinal o teu relógio só dá horas. Percebo. Filigrana, tempo?
- Então para que raio queres um relógio? Desculpa mas não te entendo. Filigrana?
- Foda-se. Sim. És tu que emites para o teu relógio ou o contrário? O choque. O estremecimento.
- Emitir? Estremecimento?
- Quantas vezes miras o relógio ao dia?
- Talvez? não sei. É um gesto espontâneo.
- Quando vais a guiar, tens o relógio à tua frente. Dás-te conta ou não?
- Sim.
- A duração da viagem, não é sempre a mesma, ou é?
- Não.
- Imagina que estás num dia mais, digámos, fodido. Ficas ansioso?
- Sim.
- E olhas para o relógio mais vezes?
- Não.
- Carregas no acelerador, não é?
- Sim.
- Sentes o tempo passar? Ou sentes que queres que o tempo passe depressa?
- Sim.
- Porquê?
- Não sei.
- Será a filigrana?
- Outra vez?
- Quantas as necessárias.
- Mas o que me estás a dizer é básico.
- Sim.
- E por que o dizes.
- Por causa da filigrana.
- Já te esqueceste do relógio?
- Do relógio? Não.
- Mas só insistes na filigrana.
- É o tempo.
- Onde sais. Aqui ou ali.
- Deixa-me acolá. Já agora, o dia para ti tem sempre a mesma cor? Não falo de sol, chuva ou nevoeiro. Consegues ver estas cores num só dia?
- Ficas aqui não é?
- Acolá.
- Onde?
- Já reparaste que quando vemos num filme uma cena repetida, o realizador mostra a imagem que filmou pela primeira vez, outra vez? Como é que a personagem que se está a relembrar de uma conversa, imagem ou apenas a relembrar, consegue reter tantos pormenores? Já sei. Vais dizer-me que é por uma questão de estética.
- Foi aqui que disseste que querias ficar?
- Sim.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, maio 13, 2004