domingo, março 21, 2004
"A Rosa"
"Entregando-se livremente a todo o tipo de pensamentos dos mais diversos teores, chegou a um outeiro coroado de edifícios e de onde a vista abarcava tudo em redor. Ali permaneceu imóvel um bom pedaço de tempo, em silêncio perante o monumento a um homem, para cujo rosto grave e sensato, revelador de uma natureza compassiva, duas crianças erguiam o olhar com uma expressão de confiane religiosidade.
Tratava-se do monumento dedicado a um pedagogo, e o passeante disse para consigo mesmo: «Por enquanto, as minhas obras boas não são muitas, não são mesmo nenhumas. Isso devia causar-me desgosto. Todavia, sinto tão pouca inveja da fama dos grandes que não há razão para que as suas efígies me façam desanimar. Tenho vivido até agora de acordo com o que considero bom e justo e não temo a possibilidade de que alguém possa vir provar-me que errei, pelo que me acho com todo o direito de afirmar que errar é humano. Compreendo, no entanto, que seria bom agirmos segundo nobres critérios, reduzirmos um pouco as alegrias da vida para cumprirmos outras tarefas, entendermos a felicidade também de outras formas que não apenas a de preservarmos a boa disposição, não nos tornarmos dependentes desta última, receosos a toda a hora de a perder, sempre preocupados em a manter viva; não, antes ousar, de peito aberto, sacrificar a nossa felicidade e talvez, como consequência disso ganhá-la de novo.»
Vê-se bem que ele admitia que lhe faltava ainda algum discernimento, julgava-se, no entanto, detentor de espírito de realização."
WALSER, Robert (trad.Leopoldina Almeida), "A Rosa", Relógio D`Água, Lisboa, 2004.
posted by Luís Miguel Dias domingo, março 21, 2004