domingo, março 14, 2004
Poesia
A VOZ
A cada novo dia o silêncio do quarto solitário
fecha-se como o ar sobre o leve marulhar
de cada gesto. A cada novo dia a janela estreita
abre-se imóvel ao ar calado. A voz
rouca e doce não volta no fresco do silêncio.
Abre-se o ar imóvel como boca que fosse falar,
e cala-se. Cada dia é sempre o mesmo.
E a voz é a mesma, pois não rompe o silêncio,
rouca e igual para sempre na imobilidade
da recordação. A clara janela acompanha
com o seu leve latejar a calma daquele tempo.
Cada gesto percute a calma daquele tempo.
Se a voz ressoasse, voltaria a dor.
Voltariam os gestos no ar pasmado
e palavras à voz submissa.
Se a voz ressoasse, também o breve latejar
do silêncio que dura seria dor.
Voltariam os gestos da dor inútil,
Percutindo as coisas no estrépito do tempo.
Mas a voz não volta, e o sussurro longínquo
não enruga a recoradção. A luz imóvel
esparze o seu fresco latejar. O silêncio para sempre
cala-se, rouco e submisso, na recordação daquele tempo.
Cesare Pavese
posted by Luís Miguel Dias domingo, março 14, 2004