sábado, março 27, 2004
"Gostarás da Grécia"
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Henry Miller and Lawrence Durrell in 1962
"«Miller, tenho a certeza de que gostarás da Grécia.» Não sei porquê, estas palavras impressionaram-me mais do que todas as coisas que ele dissera acerca da Grécia. Gostrás da Grécia… isso ficou-me atravessado. «Por Deus, sim, eu gosto», repeti vezes sem conta a mim mesmo, parado junto da amurada, a observar o movimento e o alarido. Iclinei-me para trás e olhei para o céu. Nunca vira um céu assim antes. Era esplendoroso. Sentia-me completamente separado da Europa. Entrara num novo reino como um homem livre: tudo se conjugara para tornar a experiência única e fritificante. Jesus, como me sentia feliz. Mas pela primeira vez na vida estava feliz com plena consciência de estar feliz. É bom estarmos apenas simplesmente felizes, é um bocadinho melhor sabermos que estamos felizes; mas compreendermos que estamos felizes e saber porquê e como, de que maneira, graças a que encadeamento de acontecimentos ou circunstâncias, sabê-lo e mesmo assim estarmos felizes, estarmos felizes no estar e no saber, em, isso transcende a felicidade, isso é beatitude, e se possuímos algum bom senso devemos matar-nos ali, no momento, e acabar com o assunto. Era assim que eu me sentia – com a diferença de que não possuía a força ou a coragem para me matar ali mesmo, de imediato. E ainda bem que não acabei comigo, porque haveria momentos ainda mais grandiosos, alguma coisa que transcenderia a própria beatitude, alguma coisa em que provavelmente não teria acreditado se alguém tentasse descrever-ma. Não sabia, então, que um dia estaria em Micenas, ou em Faistos, ou que uma manhã acordaria e, ao olhar por uma vigia, veria com os meus próprios olhos o lugar acerca do qual escrevera num livro, mas que nunca soubera que existia nem que tinha o mesmo nome que eu lhe dera na minha imaginação. Na Grécia acontecem coisas maravilhosas a uma pessoa: maravilhosas coisas boas que não nos podem acontecer em nenhu outro lugar da Terra. De certo modo, quase como se Ele estivesse a cabecear, a Grécia continua sob a protecção do Criador. Os homens podem entregar-se à sua insignificante e ineficaz feitiçaria, até mesmo na Grécia, mas a magia de Deus continua a funcionar e, independentemente do que a raça do homem possa fazer ou tentar fazer, a Grécia ainda é um recinto sagrado – e é minha convicção que continuará assim até ao fim do tempo."
MILLER, Henry (trad. Fernanda Pinto Rodrigues), "O Colosso de Maroussi", Lisboa, Livros do Brasil, 1996.
posted by Luís Miguel Dias sábado, março 27, 2004