quarta-feira, fevereiro 04, 2004
"Repensar o cinema hoje" - Manoel de OLiveira
“Aprendi, pois, o cinema a olhar o ecrã, depois através de leituras críticas, impressões, estudos, etc., sobre cinema. E aprendia com que neles via, e daí me ficou o que hoje é, e suponho continuará a ser, a minha maior bagagem cinematográfica. Só muito mais recentemente recebi, quase diria, a última lição com os filmes extraordinários de Kenzi Mizoguchi, depois com os de Ozu, e mais tarde ainda, mas já sem novidade nem o espanto dos dois primeiros, os de Akura Kurosawa. Há um outro filme japonês de que me não lembra o nome, quer do filme quer do realizador, que também me impressionou muito. Era a história dum homem ciumento que se apaixona pela mulher dum outro e de quem seria amigo, e esta mulher, sabendo que o falso amigo viria certa noite matar o marido enquanto dormia, pede ao marido que verdadeiramente amava, justificando-se ter-lhe ocorrido o capricho para que a deixe repousar aquela noite no leito dele, para com ele trocar de quarto. E assim, nessa noite trágica, o assassino vai ao quarto dele e apunhala aquele corpo, que é o da mulher que ama, julgando apunhalar o marido. O mais curioso da história é o que se segue à tragédia: quando os homens se encontram e dão conta da mulher que amavam apunhalada e morta, sobrepõe-se ao sentimento de vingança do marido a perda da mulher amada e ambos, inconsoláveis, lamentam por igual a irremediável perda, que é castigo para o assassino e prova do grande amor da mulher pelo marido.”
Informa-nos Manoel de Oliveira que “este é um pequeno extracto que faz parte de um longo texto que estou a escrever desde Julho de 1997 e que penso publicar brevemente em livro, com o título ACTO DE FILMAR. Trata duma introspecção reflexiva sobre a posição do realizador, em particular da minha posição como realizador no acto de filmar. O livro será ilustrado com fotografias de todos os meus filmes.”
pequeno extracto do artigo com o mesmo nome, publicado no suplemento "das Artes das Letras" do jornal "Primeiro de Janeiro" na segunda-feira 2 de Fevereiro de 2004.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, fevereiro 04, 2004