quarta-feira, janeiro 14, 2004
"VIAGEM A ITÁLIA" pela mão de Goethe e do Google 5
De Verona a Veneza
Verona, 16 de Setembro [1786]
"O anfiteatro é o primeiro monumento significativo da Antiguidade que vejo, e está tão bem conservado! Quando entrei, e mais ainda quando me passeava pelo anel superior, tive a estranha impressão de ver algo de grandioso e simultaneamente nada. O lugar não quer ser visto vazio, mas cheio de gente, recentemente fizeram em honra do Imperador José II e do Papa Pio VI. O Imperador, que está habituado a ter diante de si grandes massas de povo, parece que ficou muito admirado. Mas só mesmo nos tempos antigos ele tinha todo o seu efeito, porque então o povo era mais povo do que hoje. Pois um anfiteatro como este presta-se a impressionar o povo consigo próprio, a divertir o povo com o povo.
Quando se desenrola em terreno plano um qualquer espectáculo digno de ser visto e acorre muita gente, os de trás procuram de todas as maneiras elevar-se acima dos da frente: sobem para bancos, trazem barris, levam os carros para perto, estendem pranchas em todos os sentidos, ocupam uma colina próxima, e em menos de nada formou-se uma cratera.
Se o espectáculo tem lugar frequentemente no mesmo lugar, constroem-se bancadas para aqueles que podem pagar, e o resto desenvencilha-se como pode. A tarefa do arquitecto é aqui a de satisfazer este desejo geral. Ele constrói artisticamente uma tal cratera, da forma mais simples possível, de modo a que o próprio povo constitua a ornamentação. Ao ver-se assim todo junto, este tinha de admirar-se consigo próprio; pois como só está habituado a ver-se correr desordenadamente, a encontrar-se numa confusão sem ordem nem disciplina, este animal de muitas cabeças e muitas sentenças, instável e volúvel, vê-se aqui unido num corpo nobre, destinado a formar uma unidade, associado e consolidado numa massa, com uma forma e animado de um só espírito. A simplicidade do oval é apreendida da forma mais agradável por todos os olhos, e cada cabeça serve de medida para o carácter gigantesco do todo. Agora ao vê-lo vazio, não se tem qualquer noção de escala, não se sabe se é grande ou pequeno."
GOETHE (trad. João Barrento), “Viagem a Itália”, Lisboa, Relógio D`Água Editores, 2001.
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posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, janeiro 14, 2004