quinta-feira, janeiro 15, 2004
Thomas Pynchon, os simpsons, uma torre, Remedios, "rostos em forma de coração", Varo, um convite, a marge simpson e uma tapeçaria "e esta tapeçaria era o mundo".
Remedios Varo, Bordando el Manto Terrestre, 1961.
"Aliás, ela devia conhecer múltiplas revelações. Não propriamente acerca de Pierce Inverarity ou dela própria, mas sobre coisas até então mantidas em segredo. Ela vivera com uma sensação de isolamento, sem intensidade, como num casulo, como se observasse um filme pouco nítido que o projeccionista se recusasse a focar. Fizera papel de uma sonhadora de Rapunzel, misteriosamente prisioneira entre os pinheiros e as brumas salgadas de Kinneret, à espera de alguém que lhe dissesse olá, solta os cabelos. Quando surgira Pierce, ela tirara com alegria os ganchos e os rolos, deixando os cabelos cair soltos como uma cascata bela e sussurante; só quando Pierce chegara talvez a meio caminho a sua bela cabeleira se transformara, por artes mágicas, numa enorme peruca que se desprendera e o pobre caira de cu. Mas corajosamente, servindo-se talvez de um dos seus muitos cartões de crédito, ele forçara a fechadura da porta da sua torre e subira a escada de caracol: era por aí que ele deveria ter começado, se tivesse sido mais astuto. O que se passara depois entre os dois nunca saíra realmente daquela torre. Na Cidade do México, tinham entrado por acaso numa exposição de pintura da bela refugiada espanhola Remedios Varo: no painel central de um tríptico intitulado Bordando el Manto Terrestre, podia ver-se um grupo de raparigas frágeis, rostos em forma de coração, olhos imensos e cabelos como fios de ouro; prisioneiros no cimo de uma torre circular, bordavam uma espécie de tapeçaria que caía de uma seteira voando no ar, parecendo desesperadamente querer preencher o vácuo: porque todas as casas, todas as pessoas, as vagas, os barcos e florestas da Terra estavam contidas nesta tapeçaria, e esta tapeçaria era o mundo. Oedipa, obstinada, ficou em frente do quadro e chorou. Ninguém notara; usava óculos escuros de lentes verdes. Por momentos pensou se conseguiria ocultar as lágrimas. Poderia assim observar para si e para sempre a tristeza desse momento, ver o mundo reflectido através daquelas lágrimas, lágrimas daquele instante, como se os índices de refracção ainda desconhecidos variassem de choro para choro. Ela olhara a seus pés e compreendera, graças a um quadro, que aquilo que a oprimia havia sido urdido talvez a três mil quilómetros dali na sua própria torre, México apenas por acidente, mesmo que Pierce não a tenha arrancado a nada e que ela não tenha fugido. De que queria tanto fugir? Uma donzela assim cativa, com todo o seu tempo para pensar, depressa compreende que a sua torre, a sua altura e a sua arquitectura são como o seu ego puramente acidentais: que aquilo que a retém onde está é mágico, anónimo e maligno, veio-lhe do exterior e foi-lhe imposto sem razão. Sem nada mais do que a angústia que lhe aperta o ventre e a intuição feminina para interpretar esta magia informe, compreender-lhe o mecanismo, medir-lhe os campos magnéticos, calcular as linhas de força, ela pode cair na superstição, ou dedicar-se a um passatempo útil como os bordados, ou enlouquecer, ou casar com um disc jockey. Se a torre está em todo o lado e o cavaleiro da libertação é vunerável a esta magia, então que mais…"
Pynchon, Thomas (trad. Manuela Garcia Marques), "O Leilão do Lote 49", Lisboa, Fragmentos, 1987, p.p. 17 e 18.
Ó Ivan, (caso esteja nos E.U.A.) será que não quer fazer o favor de nos contar, no dia seguinte ou nessa noite, o que se passou no episódio dos simpsons que vai para o ar no próximo dia 25 de Janeiro? Obrigado.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, janeiro 15, 2004