sábado, janeiro 03, 2004
LITERATURA
“COSMÓPOLIS”
- Juntos, quantos milhões é que vocês os dois representam?
- Ela é poetisa.
- Ah, sim? Pensei que era uma Shifrin.
- Um pouco de ambos.
- Tão rica e jovem e fresca. Ela deixa que tu lhe toques nas partes íntimas?
- Hoje estás lindíssima.
- Para alguém com quarnta e sete anos feitos e que finalmente percebeu qual é o seu problema.
- E qual é?
- A vida demasiado contemporânea. Que idade tem a tua esposa? Esquece. Não quero saber. Manda-me calar. Mas antes, mais uma pergunta. Ela é boa na cama?
- Ainda não sei.
- É esse o problema das velhas fortunas – disse ela. – Agora manda-me calar.
Ele pousou-lhe uma mão na nádega. Ela ficou algum tempo ali estendida em silêncio. Era uma falsa loira chamada Didi Fancher.
- Sei uma coisa que tu queres saber.
- O quê? – indagou ele.
- Há um Rothko nas mãos de um particular cuja existência é um segredo bem guardado. Vai ser posto à venda dentro de pouco tempo.
- Tu viste-o?
- Há três ou quatro anos, sim. E é luminoso.
- Então e a capela? - Perguntou ele.
- Que é que tem?
- Tenho andado a pensar na capela.
- Tu não podes comprar o raio da capela.
- Como é que sabes? Contacta os proprietários.
- Julguei que ias ficar entusiasmadíssimo com o quadro. Um quadro. Não tens nenhum Rothko importante e sempre quiseste ter um. Já conversamos sobre isto.
- Quantos quadros há na capela dele?
- Não sei. Catorze, quinze.
- Se eles me venderem a capela, eu mantenho-a intacta. Diz-lhes.
- Mantém-na intacta onde?
- No meu apartamento. Há lá espaço que chegue e ainda posso criar mais.”
DeLILLO, Don (trad. Paulo Faria), “Cosmópolis”, Lisboa, Relógio d`Água Editores, 2003, p.p.40 e 41.
posted by Luís Miguel Dias sábado, janeiro 03, 2004