quarta-feira, dezembro 31, 2003
“VIAGEM A ITÁLIA” pela mão de Goethe e do Google 2
“De Bolzano a Trento são nove milhas por uma vale fértil, cada vez mais fértil. Todas as plantas que, no alto das montanhas, tentam vegetar, têm aqui já mais força e vitalidade, o sol é mais quente e voltamos a acreditar que há um Deus.
Uma pobre mulher pediu-me que levasse o filho na carruagem, porque a terra quente lhe queimava os pés. Fiz essa acção misericordiosa em honra da poderosa luminária. A criança estava muito asseada e bem arranjada, mas não consegui arrancar-lhe uma palavra em qualquer língua.
O Ádige corre agora mais manso e forma em muitos lugares largas ilhotas de saibro. Em terra, junto ao rio e pelas colinas acima, as culturas pegam-se tanto que somos levados a pensar que se afogam umas às outras: por todo o lado, vinhas, milho, amoreiras, maçãs, peras, marmelos e nozes. Dos muros pende exuberantemente o salgueiro-anão. A hera cresce à volta de fortes troncos pelos rochedos acima e alastra sobre eles; as lagartixas esgueiram-se pelos espaços abertos, e tudo que permanentemente anima a paisagem nos recorda os mais amenos quadros da pintura. As tranças das mulheres, presas ao alto, o peito descoberto e os casacos leves dos homens, os possantes bois que levam do mercado para casa, os burricos carregados, tudo faz um Heinrich Roos vivo e animado. E agora, quando a noite desce, no ar tépido, poucas nuvens nos cumes dos montes, as do céu mais pairando que movendo-se, quando ao sol-posto se começa a ouvir a zoada das cigarras, então sentimo-nos em casa neste mundo, e não como num abrigo ou no exílio.
GOETHE (trad. João Barrento), “Viagem a Itália”, Lisboa, Relógio D`Água Editores, 2001, p.p. 31 e 32.
![]()
Heinrich Roos, Roman Landscape with Cattle and Shepherds, 1676.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, dezembro 31, 2003