terça-feira, dezembro 23, 2003
"O BEBEDOR NOCTURNO" 1
(poemas mudados para português por herberto helder)
ENIGMAS MAIAS
- Filho, quais são as bocas tristes por onde as canas se lamentam?
- Os buracos da flauta.
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- Filho, viste acaso duas pedras verdes com uma cruz ao meio?
- Os olhos do homem.
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- Filho, e o papagaio que levanta a saia, e tira a capa, e a camisa, e o chapéu, e os sapatos? Filho, passou acaso por ti? Talvez tivesses passado tu por ele, pela alta pedra que se levanta à entrada do céu, e está na porta da muralha. Quando por lá passaste, viste porventura avançarem para ti homens como touros inclinados?
- A pupila e o par de olhos.
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- Filho, viste as velhas que traziam ao colo os enteados e outras crianças?
- Pai, estão aqui enquanto cômo, e não os posso deixar. O polegar e os outros dedos.
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- Filho, por onde passaste há um riacho.
- Pai, esse riacho está em mim. É o sulco ao meio das minhas costas.
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- Filho, vai buscar uma mulher de Jalisco que tenha os cabelos em desordem e seja muito bela e virgem. Que lhe dispo o vestido e o saiote, e ficarei feliz de vê-la assim. O seu perfume será de terra, e um turbilhão será a sua bela cabeça.
- É a tenra espiga de milho verde cozida debaixo da terra.
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Ele ganha e, contente, leva consigo a pedra vermelha com que sonhou. O orvalho do céu com que sonhou.
herberto helder, "POESIA TODA", Assírio & Alvim.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, dezembro 23, 2003