sexta-feira, dezembro 19, 2003
na montanha IX
"O átomo era um sistema cósmico carregado de energia, em cujo seio gravitavam planetas, numa rotação frenética, em torno de um centro semelhante ao Sol, e cuja órbita era percorrida, a velocidades só mensuráveis em anos-luz, por cometas mantidos nas suas órbitas excêntricas pela força do corpo central. E isto não é uma simples comparação, tão pouco quanto o seria a que define o organismo multicelular como um «Estado de células». A cidade, o Estado, a comunidade social organizada segundo o princípio da divisão do trabalho não sòmente era comparável à vida orgânica, mas repetia-a exactamente. Da mesma forma no seio da natureza, repetia-se o universo astral, o macrocosmos, cujos grupos, nebulosas, constelações, nuvens, pairavam, empalecidos pela Lua, flutuavam ante os olhos do nosso adepto, por cima do vale cintilante de neve. Não seria lícito pensar que certos planetas do sistema solar atómico ? esses exércitos, essas via-lácteas que compunham a matéria ? que um outro desses corpos celestes intraterestres se encontrava numa condição semelhante àquela que fazia da Terra uma sede da vida? (...)
A anatomia patológica da qual mantinha um volume inclinado para a luz vermelha da lampadazinha, informava-o, por grupos parasitários de células e dos tumores infecciosos. Eram formas de tecidos ? formas de tecidos especialmente exuberantes ? provocadas pela irrupção de células estranhas num organismo que se mostrara particularmente acolhedor e de algum modo ? era preciso dizer talvez: de modo depravado ? oferecia condições favoráveis ao seu crescimento. O mal não era que o parasita privasse de alimentos o tecido circundante; mas, no decorrer do metabolismo peculiar a toda a célula, produzia combinações orgânicas surpreendentemente tóxicas e inevitavelmente perniciosas."
Thomas Mann, "A Montanha Mágica".
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, dezembro 19, 2003