segunda-feira, novembro 24, 2003
Lauren Hartke 3
"Hartke é uma artista corporal que tenta libertar-se do corpo – do seu, pelo menos. Um homem parado no meio de uma galeria de arte, deixa que um outro lhe aponte uma arma de fogo e lhe dispare contra um braço. Isto é arte. Um homem coberto de uma profusão de tatuagens é coroado com uma coroa de espinhos. Isto é arte. A obra de Hartke não é um exercício de exibicionismo nem de autoflagelação. Ela está a representar, num processo contínuo de transformação numa outra pessoa ou de exploração de uma qualquer identidade primordial. Uma mulher pinta quadros com a vagina. Isto é arte. Um homem e uma mulher, nus, lançam-se de cabeça um contra o outro, repetidas vezes, a uma velocidade cada vez maior. Isto é arte, sexo e agressão. Um homem vestido com peças de roupa interior feminina ensanguentadas amontoa uma enorme quantidade de carne picada. Isto é arte, sexo, agressão, crítica cultural e autenticidade. Um homem crava pregos no pénis. Isto é apenas autenticidade.
A peça de Hartke começa com uma mulher japonesa em traje tradicional, num palco vazio, a executar os gestos estilizados do teatro Nô, e termina setenta e cinco minutos mais tarde com um homem nu, macilento e afásico, que tenta desesperadamente dizer-nos algo."
DeLILLO, Don (trad. Paulo Faria), "O Corpo Enquanto Arte", Lisboa, Relógio D`Água Editores, 2001.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, novembro 24, 2003