A montanha mágica

quarta-feira, novembro 12, 2003

"CHAMINÉ DE FÁBRICA"



David Lynch, Industrial Image, Black & White photograph.


“Se eu levar em conta as minhas recordações pessoais parece que, na nossa geração, as formas de arquitectura aterrorizantes, desde que as várias coisas do mundo surgem durante a primeira infância, bem menos eram as igrejas, mesmo as mais monstruosas, do que certas chaminés de fábrica grandes, verdadeiros tubos de comunicação entre o céu sinistramente sujo e a lamacenta e mal cheirosa terra dos bairros com fiações e tinturarias.
Hoje, quando muito miseráveis estetas procuram colocar a sua clorótica admiração e inventam chatamente a beleza das fábricas, a sujidade lúgubre destes enormes tentáculos surge-nos ainda mais nojenta; os charcos de água, nos terrenos baldios ao seu lado, o fumo negro meio tombado pelo vento, os montes de escórias e sucata, serão de facto os únicos atributos possíveis destes deuses de um Olimpo de esgoto; e eu não estava alucinado quando o meu terror, era eu criança, me fazia vislumbrar nestes meus espantalhos gigantes, que me atraíam até à angústia e às vezes faziam fugir a toda a velocidade, a presença de uma assustadora cólera, cólera que mais tarde, não podia eu duvidar, viria a tornar-se a minha própria cólera, dar um sentido a tudo quanto se ia sujando na minha cabeça e, ao mesmo tempo, a tudo quanto surge em estados civilizados como a carcaça num pesadelo. Não ignoro, sem dúvida, que a maior parte das pessoas vê chaminés de fábrica só encontra nelas o signo do trabalho do género humano e nunca a projecção atroz do pesadelo que se desnvolve obscuramente nesse género humano à maneira de um cancro: com efeito, é evidente que em princípio já ninguém olha para aquilo que lhe surge como revelação de um estado de coisas violento em que nos vemos como atacados. Esta forma infantil ou selvagem de ver substituída por uma maneira sensata que permite tomar uma chaminé de fábrica por uma construção de pedra em forma de tubo, destinada a evacuar fumos a grande altura, quer dizer, por uma abstração. Ora, o único sentido que este dicionário pode ter é, precisamente, mostrar o erro das definições deste género.
Há razão para insistirmos, por exemplo, no facto de uma chaminé de fábrica só de um modo muito provisório pertencer a uma ordem totalmente mecânica. Mal se levanta até à primeira nuvem que a cobre, mal o fumo se enrola na sua garganta, já é a pitonisa dos sucessos mais violentos do mundo actual: a título idêntico, é verdade que todos os esgares de lama nos passeios ou no rosto humano, todas as partes de uma agitação imensa que apenas se ordena como um sonho ou o peludo e inexplicável focinho de um cão. Para a situarmos num dicionário é, pois, mais lógico dirigirmo-nos ao rapazinho que ela aterroriza, ao momento em que ele vê nascer de forma concreta a imagem das imensas, das sinistras convulsões em que toda a sua vida irá desenrolar-se, e não a um técnico necessariamente cego.”

BATAILLE, Georges (trad. Carlos Valente), “A mutilação sacrificial e a orelha cortada de Van Gogh”, Lisboa, Hiena Editora, 1994, p.p.93-95.

posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, novembro 12, 2003

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