quinta-feira, outubro 16, 2003
Sentado debaixo do grande terebinto XXI
"O sinal será mais suave que a palavra? É ponto contestável.
Judá julgava do ponto de vista de quem trás mais novas. Este preferirá com certeza o sinal, porque o dispensará de falar. Mas quem o recebe? A palavra, com a força que nos dá o desconhecimento do facto, pode ser desdenhosamente posta de lado. Quem a ouve, pode repudiá-la como mentirosa: mandá-la, com risonha convicção, para o inferno dos absurdos, até se fazer luz no seu espírito. A palavra só actua lentamente. Começa por ser incompreensível. Não se lhe apanha o sentido. Não reproduz logo a realidade. Durante algum tempo, para prolongar o teu desconhecimento, és livre de descarregar sobre o mensageiro a confusão que ele quer produzir no teu coração e no teu cérebro, e podes tomá-lo por louco. «Que dizes?», podes perguntar-lhe. «Sentes-te mal? Vem, que te porei bom, dando-te cordial a beber. Depois, já poderás falar novamente, de maneira que faça sentido o que dizes!» Tudo isto não deve ser mortificante para o outro. Com dó da tua situação, de que ele é senhor, mostra-se indulgente contigo. Mas pouco a pouco o seu olhar circunspecto e compassivo põe-te vacilante. Já não toleras esse olhar, compreendes que não consegues a inversão de papéis que pretendias impor para conservação de ti próprio e que, pelo contrário, é a ti que terão agora de dar a beber um cordial…
Tão dilatória luta com a verdade só te é permitida pela palavra. Mas já não é possível, se a substitui o sinal. Este surge com uma crueldade que não admite delongas. Não pode haver equívoco e não há necessidade de se realizar porque já é real. O sinal é palpável e desdenha a branda qualidade de ser incompreensível. Não se presta a subterfúgios, ainda que preliminares. Força-te a conceberes o que repelirias com loucura se te fosse anunciado por palavras. Força-te portanto a tomares-te por louco, a ti mesmo, ou a aceitar a verdade. Na palavra e no sinal, o mediato e o imediato encadeiam-se de maneira diferente. Deixamos indeciso a qual deles toca o imediato mais brutal. O sinal é mudo, e pela forte razão de ser a própria coisa, dispensa a fala para ser «compreendido». Calado, deita-te por terra."
Thomas Mann, "O jovem José".
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, outubro 16, 2003