segunda-feira, outubro 27, 2003
Sentado debaixo do grande terebinto XXII
"- O que eu receava – irrompeu Jacob com uma voz que a dor diminuíra, tornando-a mais aguda e meio abafada – o que eu receava desabou sobre mim, aconteceu o que eu temia. Compreendes isto Eliezer? Podes concebê-lo? Não, não, não se pode conceber que suceda exactamente o que se temia. Se eu não o tivesse temido e isto tivesse inopinadamente caído em cima de mim, eu acreditaria e diria ao meu coração: foste irreflectido, não evitaste o mal porque não o viste a tempo de o evitar. Sabes, na surpresa pode-se acreditar. Mas que aconteça o que se tinha previsto e se desdenhe deixando que aconteça, é um horror com que eu não concordo!
- Nas provações que Deus manda aos homens não há acordos prévios – retorquiu Eliezer.
- Não, por direito, não. Mas pelo sentimento humano que tem também a sua razão e a sua revolta! Para que foi dado ao homem o medo e a precaução, senão para conjurar o mal, para tirar a tempo ao destino os maus pensamentos e os pensar ele próprio? O destino então inquieta-se, também se envergonha e diz de si para si: «São estes ainda os meus pensamentos? Se são pensamentos humanos, não quero mais saber deles.» Mas que será do homem, se a precaução já não lhe serve para nada, se ele teme em vão e teme com razão? Ou como pode um homem viver, se já não pode esperar que as coisas aconteçam diferentemente do que pensa?
- Deus é livre – disse Eliezer."
Thomas Mann, “O jovem José”.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, outubro 27, 2003