segunda-feira, outubro 13, 2003
“O Homem Português” 2
"O nosso querer é apenas platónico, incapaz de nenhuma espécie de sacrifício. Não somos tão simples que o não sintamos: o português é inteligente. O que nos falta é a mola íntima, rija de aço, que se partiu. Por isso buscamos iludir-nos como os doentes desenganados. Deitamo-nos aos anestésicos. Com o éter da finança esquecemos a anemia económica e com o clorofórmio da jogatina suprimos a fraqueza do trabalho; a morfina dos melhoramentos vai-nos dando horas regaladas, e o láudano do orçamento o pão-nosso de cada dia. O cloral da emigração afasta a necessidade cruel dos tratamentos antiflogísticos; e a cocaína do trânsito, pretendendo em vão tornar esta faixa litoral da Península uma terra de passagem, estalagem brunida e sécia para uso do mundo que se diverte, procurar pôr o sol em acções – e quem sabe se a própria lua das nossas noites encantadoras, ela que desenrola o seu meigo velário de prata para também nos iludir com perspectivas fantásticas sobre a nudez da terra que habitámos!"
Oliveira Martins, 1889.
in Boletim Cultural, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, outubro 13, 2003