quinta-feira, outubro 09, 2003
"O BAILADO" 5
IX
"O homem nasce e morre várias vezes, desde que sai do berço até que entra no túmulo.
Viver é nascer e morrer, a toda a hora.
O homem não vive; - nasce e morre.
Viver vivem as árvores… e certas criaturas que eu conheço, profundamente vegetais, - só raiz entranhada no estrume!
E vive a donzela, que é uma flor…
Mas um homem, apanhado na rede viva dos seus nervos, debate-se, estrebucha, sufoca! É um peixe monstruoso fora da água, deslumbrado e agonizante! Consegue entrever um novo mundo para que os seus olhos não foram feitos… Pobre dele! Morre, saindo fora da água, contemplando a luz, e revive quando se escapa do laço traiçoeiro e volta a mergulhar na fundura.
O homem nasce e morre. É um vagido e um último suspiro. A palavra foi dada às árvores e às donzelas… Percebe o leitor? Não é provável. Desculpará… Pedir desculpa é a própria base do edifício social. O leitor, se é co-proprietário desse belo edifício, ficará a simpatizar comigo e será capaz de me ler até ao fim! Ainda bem!"
PASCOAES, Teixeira de, "O Bailado", Lisboa, Assírio & Alvim, 1987.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, outubro 09, 2003