quarta-feira, outubro 01, 2003
LITERATURA
"O meu irmão Jaime tinha dois anos em 1974 e portanto é quase certo que o incidente seguinte pertença a um Verão posterior. Mas conto-o agora porque me parece um comentário agudamente satírico à minha vida romântica tal como então decorria… Como muitas crianças em Espanha, Jaime tinha licença para acompanhar o seu jantar com um copo de vinho tinto (1), muito diluído com água. Nessa particular noite Jaime esteve de olho atento ao processo de diluição. «Agua, no», não parava de dizer, de indicador erguido, de cada vez que a minha mãe ia à torneira. «Água, no». Devia ter entornado uns dois ou três copos por ele abaixo e então, antes que alguém pudesse impedi-lo, agarrou num gin tónico que tinha ficado por beber e bebeu-o todo. O que se seguiu foi um perfeito paradigma da bebedeira, espantosamente ampliado. Jaime riu, dançou, cantou, berrou, barafustou e desmaiou, tudo em quinze minutos. Depois, passada uma meia hora, ouvimos um lamento ressequido vindo do seu quarto. Jaime estava já na ressaca. A voz dizia debilmente «Agua!... Agua!...»
- Agua, si – disse Kingsley quando lhe contei.
- Exactamente. Todo o percurso desde agua, no até agua, si. Numa hora."
(1) "Não achei isto chocante. Em minha casa, no sul de Gales, aos cinco anos já se podia fumar um cigarro no dia de Natal.")
AMIS, Martin (trad. Telma Costa), "experiência", Lisboa, Editorial Teorema Lda., 2000, p. 61.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, outubro 01, 2003