quarta-feira, outubro 08, 2003
LITERATURA
[Norman] "- Sim, eu sou um mestre na arte de viver. É por isso que tomo Prozac há oito meses.
[Sabbath]- Eu só sei hostilizar.
- Bem, isso e mais algumas coisas.
- Uma vida verdadeiramente banal, uma verdadeira merda.
- As cervejas subiram-te à cabeça. Quando uma pessoa está exausta e nas lonas como tu, torna-se tudo exagerado. O suicídio do Linc tem que ver com isso. Todos passámos por isso.
- Repugnante para toda a gente?
- Deixa-te disso - disse Norman, aumentando a firmeza com que lhe apertava a mão. Mas quando se resolveria a dizer-lhe: «Penso que seria melhor vires viver connosco»? Porque Sabbath não podia voltar para trás. Roseanna não o quereria em casa e Matthew Balich descobrira tudo e estava suficientemente furioso para lhe dar cabo do canastro. Não tinha para onde ir e nada que fazer. Se Norman não dissesse: «Muda-te para cá», estaria liquidado.
De súbito, levantou a cabeça de cima da mesa e disse:
- A minha mãe viveu numa depressão catatónica desde os meus quinze anos.
- Nunca mo tinhas dito.
- O meu irmão foi morto na guerra.
- Eu também não sabia isso.
- Éramos uma daquelas famílias com uma estrela dourada na janela. Significava não só que o meu irmão tinha morrido, mas também que a minha mãe estava morta. Durante o dia inteiro, na escola, eu pensava: «Se ao menos, quando chegar a casa, ele lá estiver; se ao menos, quando a guerra acabar ele lá estiver.» Que coisa assustadora era ver aquela estrela dourada quando voltava da escola! Havia dias em que conseguia esquecer-me realmente dele, mas depois ia para casa e via a estrela de ouro. A estrela de ouro dizia: «As pessoas desta casa sofreram uma coisa terrível.» A casa com uma estrela dourada era uma casa empestada.
- E depois casas e a tua mulher desaparece.
- Sim, mas isso tornou-me mais prudente. Nunca mais consegui pensar no futuro. Que me reservava o futuro? Agora nunca penso em termos de expectativas. A minha expectativa é como lidar com as más notícias."
ROTH, Philip (trad. Fernanda Pinto Rodrigues), "TEATRO DE SABBATH", Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, p.162.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, outubro 08, 2003