A montanha mágica

quinta-feira, setembro 18, 2003

Sentado debaixo do grande terebinto XVIII

"- Posso, com certas reservas, compreendê-las - replicou José.
- Ora, onde foi que as aprendeste?
- Será que perguntas a Eliezer onde aprendeu as que te ensina? Sei desses casos tão bem como ele, e de outros mais. Quando se é mensageiro, guia, guarda, corre-se mundo e aprende-se muito. Posso assegurar-te que o dilúvio veio apenas porque o desprezo dos filhos do Céu pelo homem já se tornara lascivo. Foi o motivo decisivo, de contrário talvez nunca tivesse vindo. Mas posso acrescentar que da parte dos filhos da Luz já havia a intenção de exigir o dilúvio. Infelizmente, veio depois a arca da salvação, e o homem meteu-se lá dentro.
- Alegremo-nos com isso - disse José. - Se assim não fosse não iríamos aqui palrando a caminho de Dotan e não nos serviríamos da mula ora um, ora outro, conforme combinámos.
- Tens razão! - retorquiu o desconhecido, fazendo mais uma vez girar as pupilas dos olhos em redor e mirando de esguelha. - A conversar esqueço tudo. No entanto devo guiar-te e velar por ti, para que chegues aonde estão teus irmãos. Mas qual é mais importante, quem guarda ou quem é guardado? Embora me custe, devo dizer: quem é guardado. Por causa dele é que está aqui o guarda, e não o contrário. Portanto, agora apeio-me e tu montas na mula ficando eu a caminhar no pó, ao teu lado. (...)

De súbito, um solavanco e uma queda. O mal estava feito. Hulda introduzira uma das patas anteriores num buraco do terreno, curvara-se e não podia erguer-se. Partira-se-lhe um jarrete.
- Está quebrado! - disse o guia após um curto exame feito pelos dois. - Olha que belo presente! Eu não te dizia que há jarretes fracos de mais?
- Diante desta fatalidade, não devias alegrar-te de teres aparentemente razão. Neste momento, nem sequer devias pensar em tal. Quem conduzia eras tu e não reparaste que ela se metia desastradamente no buraco.
- Não reparei. E recriminas-me por isso? Aí está a verdadeira índole do homem, que sempre quer atribuir a culpa a alguém quando qualquer coisa corre mal, como se podia prever.
- É também verdadeira índole do homem desejar absolutamente prever a desgraça e depois procurar nela um triunfo inútil. Dá-te por muito feliz que eu te acuse apenas de falta de atenção. Poderia acusar-te de muito mais. Não devias ter-me aconselhado a viajar durante a noite. Não teríamos fatigado tanto a Hulda, e o inteligente animal já não teria posto o pé em falso."

Thomas Mann, "O jovem José".

posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, setembro 18, 2003

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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