domingo, setembro 28, 2003
LITERATURA
" – Pai?
- Sim?
- O barco que nos vai levar para Portugal é grande?
- Não sei ao certo. Bastante grande, acho eu.
- Tão grande como uma baleia assassina?
- O quê? Oh, deve ser.
-Tão grande como uma baleia azul?
- Sim, claro, grande como qualquer baleia.
- Maior?
- Sim, muito maior.
- Quanto?
- Deixa lá isso do tamanho. Maior, é tudo o que te posso dizer.
Há uma pausa e a discussão prossegue:
- …Pai.
- Sim?
- Se dois tigres saltassem sobre uma baleia azul, podiam matá-la?
- Ah, mas isso não poderia acontecer, sabes. Se a baleia estivesse no mar os tigres afogar-se-iam logo e se a baleia estivesse…
- Mas supondo que eles saltavam para cima da baleia?
- … Oh, santo Deus. Bem, suponho que os tigres acabariam por matar a baleia, mas levavam muito tempo.
- Quanto tempo levava a um tigre?
- Ainda mais. Agora não respondo a mais perguntas sobre baleias e tigres.
- Pai.
- Oh, o que foi agora, David?
- Se duas serpentes marinhas… (…)
- Pai.
- Sim? (…)
- Se mais nada mudasse por não seres famoso querias ser famoso na mesma?
Pergunta bem formulada, pensei. Ele sabia que a fama era um subproduto de se ter um leitorado. Mas, à parte isso? A fama é um bem sem valor. Por vezes pode granjear um tratamento especial, a quem esteja interessado nisso, se for isso que realmente se quer alcançar. Também nos aufere uma porção muito mais notória de curiosidade hostil. Com isso não me importo… mas eu sou um caso especial. O que tende a destacar-me tende também a habituar-me a ela. Numa palavra: Kingsley.
- Eu não acho – respondi eu.
- Porquê?
- Porque avaria a cabeça.
E ele aceitou isto, com um assentimento."
AMIS, Martin (trad. Telma Costa), "experiência", Lisboa, Editorial Teorema Lda., 2000, p.p.11-14.
posted by Luís Miguel Dias domingo, setembro 28, 2003