terça-feira, agosto 05, 2003
Sentado debaixo do grande terebinto XI
"Tudo isto é apenas um resumo das informações que Eliezer dava a José à sombra da árvore de Deus. 0 rapaz ia-as, escrevendo sob a direcção do velho e depois, com a cabeça metida entre os ombros, lia-as para, si até as saber de cor. A leitura e a escrita eram naturalmente a base de tudo e acompanhavam tudo. De contrário, seriam segredos que lhe entrariam por um ouvido e sairiam pelo outro. José devia portanto conservar-se acocorado debaixo da árvore, com o busto muito direito e os joelhos bem abertos, para manter sobre as pernas os petrechos de escrita: a tabuinha de barro, na qual fazia com um estilo sinais cuneiformes; as folhas finíssimas tiradas do caule de papiro; ou o pedaço liso de pele de carneiro, ou de cabra, em que enfileirava as suas garatujas, utilizando uma, cana mascada ou cortada em ponta, que ia embebendo escudela de tinta preta ou vermelha. Algumas vezes usava a escrita comum da região, paira se exercitar na língua do seu tempo e daquelas redondezas e também para aprender a escrever cartas e notas comerciais primorosas, como as dos Fénicios. Noutras ocasiões, empregava a escrita de Deus, a escrita oficial e sagrada de Babel, a da lei, da doutrina e das lendas, e neste caso servia-se do estilo e da tabuinha. Eliezer dispunha de muitos modelos excelentes: escritos acerca dos astros; hinos ao Sol e à Lua; tábuas cronológicas e meteorológicas; listas de tributos, ou fragmentos das grandes fábulas em verso dos tempos primitivos. Estas não encerravam verdades, mas eram vertidas em termos tão ousados e impressionantes que se gravavam na memória do leitor como se fossem factos reais."
Thomas Mann, "O Jovem José".
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, agosto 05, 2003