terça-feira, agosto 05, 2003
DIVULGAÇÃO
Depois de, O Nariz, O Capote, Avenida Névski, Diário de um Louco, a Assírio & Alvim acaba de publicar O Retrato, o último “dos cinco «contos de Petersburgo»”, de Nikolai Gógol (tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra). Aqui fica a transcrição da Introdução.
INTRODUÇÃO
"Com 0 Retrato completa-se a publicação dos cinco «contos de Petersburgo». Este conto existe em duas versões: a primeira, ultra-romântica, em que o fantástico surge por si, sem qualquer motivação «realista» (por exemplo, o retrato aparece milagrosamente, sem explicações, em casa do pintor; o Anticristo é encarnado); a segunda versão, talvez romântica, que escolhemos traduzir, parece-nos mais própria de Gógol, uma vez que mistura o fantástico e o real de uma maneira que, na literatura da época, foi inovadora e representa o contributo de Gógol para a subversão e o salto em frente do conto romântico de Hoffmann, Chamisso e outros. Gógol começou a trabalhar em 0 Retrato em 1831, ao mesmo tempo que escrevia a Avenida Névski. A primeira redacção foi terminada, o mais tardar, em meados de 1834, tendo provocado a crítica severa de, por exemplo, Vissarion Belínski. No início dos anos quarenta, ou seja, quando Gógol. já terminara a primeira parte de Almas Mortas e se preparava para criar a segunda, a primeira versão de 0 Retrato é refeita e publicada, em 1842, na revista Sovreménnik.
Este 0 Retrato é o mais romântico dos «contos de Petersburgo», quanto mais não seja pelo tema central - o pacto com o demónio. É também uma profunda reflexão sobre a vida e a arte (a arte imitação da natureza ou imitação de Deus?), prefigurando o grande dilema da vida e da obra do próprio Gógol, do seu próprio destino: vamos encontrar em 0 Retrato o delineamento das grandes contradições que envolveram a criação de Almas Mortas, a grande hesitação e, finalmente, o repúdio da segunda parte deste livro, a queima da obra espúria, etc.
É também, evidentemente, um conto sobre a cidade castradora - Petersburgo. Desta vez, é um pintor que se vê privado do seu talento por obra do excesso de realismo e da ambição de glória e riqueza que nele desperta a cidade... Tal como nos outros «contos de Petersburgo», com Gógol quase acreditamos que o mal não é russo e que Petersburgo não é Rússia: aqui, entre os pobres cinzentões de Kolomna (bairro periférico a oeste de Petersburgo), o Diabo é ardente, agiota e estrangeiro..."
Filipe Guerra
GÓGOL, Nikolai (trad. Nina Guerra e Filipe Guerra), "O Retrato", Lisboa, Assírio & Alvim, 2003, p.p. 7 e 8.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, agosto 05, 2003