A montanha mágica

sábado, junho 14, 2003

Para o último dia da feira do livro...


MIGUEL DE UNAMUNO E TEIXEIRA DE PASCOAES
Compromissos Plenos para a Educação dos Povos Peninsulares
Autor: J. M. de Barros Dias
Temas Portugueses, Imprensa Nacional Casa da Moeda

Desde já, editámos aqui, o ponto 2.1.3. (p.p. 271-282), com uma ressalva: por diversos motivos não transcrevemos as excelentes e riquíssimas notas de roda pé.
Já agora, uma questão a quem de autoridade: do que se está à espera em Portugal, para traduzir as Obras Completas de D. Miguel de Unamuno?


2.1.3. Portugal, país de suicidas

Portugal é, para Unamuno, o país da saudade, vocábulo inexistente em Castela , que se constrói a partir de soidade e de saúde , sendo também o país do amor e do suicídio. Unamuno encara a morte/suicídio em/de Portugal a partir da interpretação do triângulo amoroso Pedro-Inês-Constança, que é o fundador do erotismo-amoroso português e marca o início do carácter saudoso de Portugal. Unamuno faz radicar a sua análise do drama de Inês de Castro, para lá de Constança, de Eugénio de Castro, que lhe abriu as portas deste caso medieval, nos cronistas Fernão Lopes e Rui de Pina, em Luís de Camões e em Antero de Figueiredo . É a partir destes que o autor basco encara a doçura portuguesa, a meiguice, que valida esta presunção: “Amando se suicida Portugal, buscando en el amor, en el amor a la mujer, el secreto de la vida” . Unamuno escreveu as seguintes palavras em 1908, depois de ter visitado em Alcobaça o túmulo de Inês de Castro –que o impressionou vivamente : “Con pesar me despedí de la pétrea caja que encierra los despojos de lo que fué la belleza de Inés de Castro, la de trágica memoria. Y allí queda, entre las blancas piedras bernardinas del monasterio levantado a recordación de la independencia de Portugal. Sólo que el severo monumento, desnudo, solitario, silencioso, recuerda, más que la independencia de la patria, la independencia del amor” .
Uma vez violentada a doçura portuguesa pode transformar-se em actos de violência ímpar. Mais do que os espanhóis, que vivem o quotidiano mergulhados na violência, os portugueses têm uma capacidade de resistência muito maior do que a dos seus irmãos peninsulares. No entanto, quando esta se lhes esgota, levam a cabo actos de violência dificilmente igualável . Exemplifica aquilo que Unamuno diz, o assassinato do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, ocorrido em 1 de Fevereiro de 1908, acontecimento que, segundo o autor, ilustra o limite da saturação de um povo governado por um monarca que o desprezava.
Aludindo às suas relações com Guerra Junqueiro, Unamuno narra: “Hablándome del rey Don Carlos, después de encarecer una vez más el rebajamiento moral de ese pobre monarca que de tan trágica manera ha concluído, añadía: ‘No sé en qué parará esto; pero creyendo, como creo, que en Portugal sobra una familia y que el rey es un monstruo de perversión, si pudiese desde aquí matarle con el pensamiento, no lo haría’” . Com efeito, “se ha dicho que moralmente ha sido Juan Franco, el dictador, quien lo ha matado. Yo creo más exacto lo que Guerra Junqueiro decía: esto ha sido propiamente un suicidio” –segundo Unamuno, foi Manuel dos Reis da Silva Buíça o executor material do suicídio de D. Carlos .
Com um conjunto de artigos sobre Portugal e alguns outros relativos às terras e gentes de Espanha, Unamuno publicou, em 1911, Por tierras de Portugal y de España. Numa fase genésica o livro intitulou-se Almas y cosas de Portugal e seria a expressão pública dos sentimentos que nutria por este país. As múltiplas actividades que o ocupavam alteraram a concretização do projecto, como muito provavelmente, anularam um outro, anterior, que ficou por realizar . Constituído por artigos escritos para o jornal La Nación, de Buenos Aires, e também por inéditos, o resultado final merece, ainda hoje, uma leitura atenta.
A severidade com que Unamuno julga Portugal e os seus habitantes é fiel ao seu estilo. O Unamuno autor de novelas e livros de paisagens, não é uma fonte de autoridade: nele, os autores, os locais e os acontecimentos são fontes de personalidade. Julián Marías assinala-o certeiramente no seu Miguel de Unamuno . Em Unamuno não encontramos citações exaustivas. Quando aparecem, na maior parte das vezes desempenham uma função redundante e destinam-se a ridicularizar o discurso da comunidade científica, quando eivado de erudição e historicismo. Aplicado a Por tierras de Portugal y de España, o que acabámos de dizer parece-nos ser claro. Nesta obra surgem personagens fugazes que alimentam a tradição no presente, na medida em que, mantendo-se fiel a um princípio por si anteriormente enunciado, “si hay un presente histórico, es por haber una tradición del presente, porque la tradición es la sustancia de la historia” .
Em Por tierras de Portugal y de España desmonta-se, em boa parte graças ao contributo de Manuel Laranjeira , o mito do português necessariamente alegre em face das circunstâncias, sejam elas boas, razoáveis ou adversas . Portugal tem um povo apático , “no sólo sentimental, sino apasionado, o mejor dicho, antes apasionado que sentimental. La pasión le trae a la vida, y la misma pasión, consumido su cebo, lo lleva a la muerte” , porque neste país de suicidas –talvez mesmo, suicida– “la blandura, la meiguice portuguesa, no está sino en la superficie; rascadla, y encontraréis una violencia plebeya que llegará a asustaros. Oliveira Martins conocía bien a sus compatriotas. La blandura es una máscara” .
Habitado por cidadãos cordatos, é no mar que lhe deu a glória que existe “el cementerio de esta desgraciada patria de Vasco de Gama, de Juan de Castro, de Alburquerque, de Cabral, de Magallanes, de todos los más grandes navegantes del mundo, de esta patria del infante Don Fernando, del rey Don Sebastián, que allende el mar murieron” .
Para Unamuno, a quem interessa “el tedio portugués, el pesimismo patriótico” , é no mar que “descansa la gloria de Portugal, cuya historia es un trágico naufragio de siglos” , o que faz com que o país viva presentemente numa apagada e vil tristeza, podendo, em boa medida, servir-lhe de legenda o fim de um soneto de António Nobre:
“...] Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!” .
Unamuno chega a pensar se, em Portugal, “las ánimas serán las que descansan bajo tierra, en los templos o junto a ellos, y en el seno del mar, o no serán más bien las que habitan en los cuerpos de los que vemos por aquí trajinar y buscarse el pan de cada día” . Para o autor, “Portugal es hoy un purgatorio poblado de ánimas” , que paga um preço tremendo para manter a independência política , sustentada por Inglaterra . De Portugal, Unamuno chegará a dizer, numa carta a Eduardo Marquina que, àquele “desdichado país de mendigos y de pedantes que ha vendido su personalidad étnica por una sombra de independencia nominal” , só resta uma alternativa: “Ser conquistado por España –por Castilla más bien– ser conquistado y nada de unión ibérica. Y creo tenía razón Borrow al decir que los portugueses acabarán hablando castellano” .
A Teixeira de Pascoaes Unamuno escreve que “Portugal me recuerda á Isacar, aquel hijo de Jacob, á quien sólo le dedican dos versillos, el 14 y el 15 del capítulo XLIX del Génesis” , no testamento de Jacob . Aprofundando aquilo que declarou ao seu amigo português, e tendo como pano de fundo para as suas considerações o Portugal simples do interior, Unamuno sublinha que “esos pobres campesinos, ya que no navegan, no hacen sino soñar la imposibilidad del heroísmo. El interior de Portugal hace el efecto de un país puramente campesino y recuerda aquellos dos versillos que dedica el Génesis XLIX, en el testamento de Jacob, a Isacar su hijo” .
Sabendo-se que a tribo de Issachor ocupava a planície do Esdrelon, entre o Carmelo e o Tabor, e que, uma vez exposta às invasões dos Cananeus, em lugar de os subjugar, se deixou escravizar por eles, o que é que Unamuno pretende dizer ao associar Portugal à tribo perdida de Israel? Segundo João Medina, que só tem presente o texto que Unamuno escreveu a Teixeira de Pascoaes, Jacob deu a “Issacar uma das melhores partes da Terra prometida, na região oeste do rectângulo israelita, o equivalente à faixa ocidental da península onde se fez Portugal” . De acordo com este autor, os nossos Cananeus “são, no destino luso, tudo quanto nos agrilhoou desde a independência, a nossa centrifugação da união das demais tribos ibéricas, desde as alianças externas para escapar ao amplexo unitário de Castela, até à própria servidão na Babilónia filipina, entre 1580 e 1640, mais o grilhão do mar” .
Defendendo a tese da união entre os extremos orientais e ocidentais do mundo, Unamuno diz-nos que chegou a pensar “si no será que estos extremos occidentales se han dado de manos espirituales con los extremos orientales, los de la India, y han llegado al triste meollo de la sabiduría, a la comprensión de la vanidad final de todo esfuerzo. Parece como que allí pesa la lúgubre sabiduría del Eclesiastés” . Para Unamuno, o carpe diem horaciano pode aplicar-se aos portugueses, uma vez que “en ese pueblo triste, tristísimo, la gente se divierte, sin duda, pero se divierte como si dijera: comamos y bebamos, que mañana moriremos” .
Apesar de tudo, Portugal não deixa de ter, para Unamuno, um papel importante a desempenhar no contexto da expansão cultural hispânica. Quando, em 22 de Agosto de 1914, profere na Figueira da Foz a conferência que a Gazeta da Figueira transcreve , Unamuno não comunica hipóteses de trabalho, mas conclusões pessoais. Este artigo de redacção, que divulga com bastante minúcia o exposto na conferência acabada de aludir, reveste-se de uma importância particular, na medida em que põe em evidência a componente peninsular das ideias capitais do autor sobre uma hispanidad utópica, ucrónia e polémica, cerca de catorze anos antes da sua publicação em texto autónomo , transformando-o de conceito de senectude, em conceito de maturidade .
N’“A conferencia de D. Miguel Unamuno” a Gazeta da Figueira afirma que, tendo o conferencista levado a cabo uma resenha histórica, começou por traçar a comunhão cultural existente, desde a romanização, entre Portugal e Espanha, a Hispânia que, cindida desde a Reconquista, fez com que os dois países tivessem “uma vida se não commum, paralella, mais ainda na vida cultural do que na politica” . Após terem lutado juntos contra a moirama, nessa Idade Média que teve como centro difusor dos valores espirituais peninsulares Sant'Iago de Compostela, “voltam a apparecer em obra commum os dois povos na epoca dos grandes descobrimentos geographicos que abriram, tanto ou mais do que a diffusão do hellenismo no occidente, o renascimento” . Na Renascença nasceram juntos Camões e Cervantes, o cantor das glórias lusitanas e o difusor do mito nacional espanhol, D. Quixote-Sancho. A expansão marítima do século XVI foi, para Unamuno, uma obra conjunta de portugueses e espanhóis . Cabe referir que o relacionamento preferencial dos séculos XVI-XVII, entre Portugal e a Espanha, se viu interrompido nas duas centúrias seguintes.
Nos primeiros anos do século XX era chegada a altura da reanimação, que se faria pela via cultural, tarefa facilitada aos portugueses, em geral bilingues, porque “quem sabe portuguez póde dizer-se que sabe sem grande esforço hespanhol, e o hespanhol falado por umas vinte nações, é a lingua mundial” . Divulgando um conceito explicitado em Por tierras de Portugal y de España Unamuno defende que Portugal, em Espanha, deveria ser divulgado em português, sem concessões à modernização e à popularização. Estes não são os modos de descer ao povo, pois “é preciso educal-o para que se eleve á comprehensão de taes obras na sua pureza. E ha coisas que nunca podem ser populares” , advertiu Unamuno, na defesa das concepções que teriam como ponto tópico a pugna do espanhol como língua difusora, além-Península, dos valores e propostas sócio-político-económico-culturais peninsulares. Antes de terminar a conferência figueirense Unamuno acrescentou que “desde o extremo occidente da Europa, pela America e Africa, ainda nos ficam, com as nossas linguas irmãs, como instrumento, um trabalho de cultura por concluir, uma obra de poesia e de amor” por fazer. Esta afirmação é de singular relevo. O futuro dos países soberanos da Península Ibérica passaria pela projecção das obras iniciadas nos territórios trans-atlânticos, em África e nas Índias Orientais e Ocidentais, sem o espírito tutelar de outrora, mas com atitudes prevalecentemente cooperantes, embora subordinado aos interesses últimos de Espanha, como acabamos de verificar.
Sobre este tema, imediatamente antes desta conferência, a termos em consideração a data de publicação do artigo, temos “Español-Portugués” –datado de 22 de Julho – e, sem a indicação do dia em que foi escrito, “Primera visión europea del Japón” . Unamuno aborda a questão linguística no primeiro dos textos referidos defendendo, para o progresso dos países ibéricos, o retorno aos seus anos dourados de relacionamento. Como dissemos, os espanhóis deveriam ler o português; os portugueses teriam a obrigação de penetrar no pensamento espanhol através da língua original. Os dicionários deveriam abdicar da tradução das palavras comuns aos dois idiomas e, como tal, facilmente inteligíveis. O reitor salmantino sugere, em lugar dos casos apontados –cita a título de exemplo o dicionário do Visconde de Wildik – a feitura de “vocabularios que después de un breve tratado de las correspondencias fonéticas incluyesen sólo aquello que sea ininteligible aun así” .
É ridículo, sublinha Unamuno, que os portugueses, no intuito de se diferenciarem de Espanha, façam uso de uma ortografia que cultiva palavras como mysterio, mythologia, philosophia, phisica, phisiologia, theologia e typographia. Por outro lado, segundo Unamuno, palavras como água, cavalo, toiro, oiro não devem ser traduzidas. O espanhol e o português, quer na Europa, quer na(s) América(s), ao realizarem o esforço mútuo de conhecimento, não têm a possibilidade de se aniquilar; penetrando-se, concretizam uma obra de integração recíproca, na medida em que não se luta pelo predomínio de uma das línguas em cada um dos territórios: “Que A conquiste a B o B conquiste a A sólo significa que los de A hablen la lengua B o los de B hablen la lengua A. Y si Polonia resucita como nacionalidad será porque ha sabido conservar su lengua polaca contra los embates furiosos de la alemana principalmente” . (...)

posted by Luís Miguel Dias sábado, junho 14, 2003

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