domingo, junho 01, 2003
LUÍZA TÓDI (1753-1833)
"1783 Aos 30 anos regressa a Paris para uma nova temporada nos "Concerts Spirituels" – altura em que se confronta com a grande Mara. A Todi sai vitoriosa desse confronto passando a ser chama pelos franceses "la cantatrice de la Nation" – "a cantora da Nação". Por insistência de Catarina da Rússia parte para São Petersburgo. Pelo caminho actua na corte de Frederico II e em Berlim.
1784 Aos 31 anos chega a São Petersburgo à corte de Catarina a Grande onde irá permanecer 4 anos. Escreve aí uma ópera com o marido, "Pollinia", como forma de gratidão pelos favores recebidos da czarina que a cumula de presentes valiosíssimos. É alvo da inveja do famoso castrato Marchesi. Catarina toma o seu partido e não renova o contrato com o cantor nem com o compositor Sarti (que tomara o partido de Marchesi).
1788 Aos 34 anos deixa a corte de Catarina a Grande em direcção a Berlim para cumprir um contrato com a corte de Frederico da Prússia, que acabara por ceder a todas as suas exigências alojando-a com toda a família no palácio e dando-lhe total liberdade para actuar noutros lugares." (...)
"Entre 30 de Agosto e 27 de Dezembro de 2000 o programa "Quem?" transmitiu uma série de 9 episódios dedicados a Luisa Todi com a voz de Carmen Dolores e textos de Margarida Lisboa baseados nas pesquisas biográficasdo Doutor Mário Moreau." (...)
"Lisboa... 1833...
Cidades... Quantas cidades conheci, meu Deus!?
Em quantas morei?
Grandes cidades europeias... todas tão diferentes!
Lisboa (onde moro agora)... mergulhada no Tejo,
inclinada sobre as águas...
O Porto, e outro rio, outra foz de tons azuis, cinzentos...
Aranjuez... Madrid... as grandes avenidas,
os edifícios monumentais...
Londres... a chuva... os tons sombrios...
Paris... os labirintos... as multidões...
a agitação constante das Ideias...
Berlim... Turim... Viena...
Quantas cidades, meu Deus!
todas gravadas na memória.
Todas me perseguem. Todas revejo em cada instante.
Por vezes... as imagens confundem-se,
misturam-se, sobrepõem-se...
Outras vezes... vejo claramente cada uma.
Quantas cidades...! quantos percursos intermináveis!
A nossa família foi aumentando,
já éramos uma verdadeira corte
quando deixámos Paris em 1783.
E foi uma corte que nos recebeu,
algumas semanas mais tarde, em Potsdam.
Frederico II cedera às minhas exigências.
Doutra forma não teríamos ido.
Ficámos instalados no palácio
servidos pelo próprio cozinheiro do rei.
Foi uma estadia de alguns meses apenas.
Em Fevereiro partimos para uma outra longa viagem
no cumprimento dum sonho muito antigo:
conhecer a Rússia de Catarina, a Grande.
São Petersburgo,
talvez a mais surpreendente de todas as cidades.
Depois das longas planícies,
depois dos imensos campos verdes ondulantes,
a surpresa dos rios, dos canais, das pontes,
dos palácios...
São Petersburgo,
a cidade construída por Pedro o Grande.
Um artista.
Só um artista podia imaginar uma cidade assim.
Aquilo que eu via ultrapassava em muito
os relatos de Grimm.
Era tudo duma beleza quase sufocante.
Lembras-te, Francesco? chegámos a São Petersburgo
ao fim da tarde... O sol inundava as ruas
de tons avermelhados a rás do solo,
tornava tudo perfeitamente... irreal.
Parecia um sonho, não era?
Tu falaste num pintor louco, não foi?
que entornara todas as tintas sobre o rio.
E eram essas cores que vias reflectidas no meu rosto,
no meu olhar – um olhar deslumbrado certamente,
perdido em tudo aquilo que captava.
Instantes mágicos, inesquecíveis.
Chegámos a São Petersburgo ao fim da tarde.
Ficámos instalados no palácio.
Catarina... a Grande...
Comecei por ver o seu olhar fixo em mim
do outro lado do salão,
um olhar azul e intenso,
que transmitia uma força inexplicável,
quase sobrenatural.
A Czarina já tinha então 55 anos – governava desde o
afastamento e a morte de Pedro III em 62.
24 anos de reinado.
Guerras de conquista, grandes vitórias.
O império estendia-se agora da Ucrânia ao Mar Negro,
a administração fora descentralizada,
o exército e a justiça reorganizados,
além da agricultura e do comércio
estimulados sob o seu comando,
o sábio comando de Catarina, a Grande.
Fora ela quem quisera que eu viesse,
repetira-o vezes sem conta ao Barão de Grimm,
o bom Friedrich Melchior,
e temera que a Prússia me conservasse
por tempo indeterminado.
A Prússia de Frederico II...
Se ela soubesse, se a Czarina soubesse...
Havia anos que eu sonhava com aquela viagem,
havia anos que eu ansiava por conhecer o império
de Catarina, a Grande.
Fomos recebidos por ela 2 dias depois da chegada.
10 de Junho de 1784... 30 de Maio do calendário russo.
Esta a data do meu primeiro concerto no palácio
– 3 dias depois da chegada.
Com a presença de Catarina, a Grande.
O que sempre me impressionou na czarina
foi a forma como ela nos fixava.
Olhava-nos a direito nos olhos
como se conseguisse ler os nossos pensamentos.
Frontal e directa. E duma generosidade inigualável.
Durante esse primeiro concerto
não pudera deixar de reparar nas jóias que ela trazia
– entre elas duas pulseiras de diamantes,
certamente dum valor incalculável.
Qual não foi a minha surpresa
quando, depois do concerto,
me vieram entregar um presente da soberana,
que desejava assim manifestar
a admiração que sentia pela minha arte.
Esse presente era precisamente
as duas pulseiras de diamantes que trazia.
Um gesto duma delicadeza ímpar.
Ficámos em São Petersburgo 4 anos
– talvez os melhores anos das nossas vidas.
1784... 1788...
Lisboa, 1833.
Hoje fui assaltada pelas memórias da Rússia:
São Petersburgo... Catarina... os concertos... A Rússia...
Como eles sabem tratar um Artista!
Consideração... respeito...
E amizade. E afecto.
Os anos mais felizes das nossas vidas?
Talvez... Terão sido?
É assim que os recordo hoje
nesta longínqua cidade de Lisboa,
neste distante domingo de 1833.
A Rússia implorou a minha presença.
Eu... realizei um sonho:
conhecer o império de Catarina, a Grande." (...)
in www.rdp.pt/antena2/luisa-todi/index.htm
posted by Luís Miguel Dias domingo, junho 01, 2003