A montanha mágica

segunda-feira, junho 30, 2003

LITERATURA



Uma corrida eleitoral e uma longa história

“Era, realmente, um grupo muito curioso todo aquele pessoal que se juntou na margem – pássaros de penas molhadas, bichos com o pêlo pegado ao corpo e todos completamente encharcados, de mau humor e muito incomodados.
O primeiro problema a tratar foi, claro está, a maneira de ficarem outra vez enxutos: reuniram-se em conferência para debater o assunto, e passados poucos minutos já parecia muito natural a Alice falar com eles com tanta intimidade, como se os conhecesse de toda a vida. Até teve uma grande discussão com o Papagaio, que acabou por amuar e que só dizia:
- Sou mais velho do que tu e portanto eu é que sei – mas com isso Alice não pôde concordar sem saber que idade tinha ele, e, como o Papagaio se recusava de todo a dizer a idade, a conversa acabou.
Por fim, o Rato, que parecia ter bastante autoridade sobre eles gritou:
- Sentem-se e ouçam-me! Eu é que vos vou pôr secos, num instante!
Sentaram-se logo todos, numa grande roda, com o Rato no meio. Alice não tirava os olhos de cima dele, pois tinha a certeza de que iria apanhar uma terrível constipação se não se enxugasse muito depressa.
- Hum! – disse o Rato, com um ar importante. – Estão todos a postos? A coisa mais seca que conheço é esta. Tudo em silêncio por favor! Guilherme, o Conquistador, cuja causa foi patrocinada pelo Papa, obteve rapidamente a submissão dos Ingleses, que necessitavam de chefes e que estavam há muito habituados à usurpação e à conquista. Edwin e Morcar, condes de Mercia e Nothumbria…
- Ufa! – disse o Papagaio, com um arrepio.
- Como? Desculpe! – disse o Rato, franzindo o sobrolho, mas com muita delicadez. – Disse alguma coisa?
- Eu não! – respondeu o Papagaio, apressadamente.
- Julguei que sim – respondeu o Rato. – Continuando… Edwin e Morcar, condes de Mercia e Northumbria, estavam do lado dele e mesmo Stigand, o patriótico arcebispo da Cantuária, achou que era coisa aconselhável.
- Achou o quê? – perguntou o Pato.
- Achou essa coisa – respondeu o Rato, bastante zangado. – Claro que sabes o que é que «coisa» quer dizer!
- Eu sei muito bem o que é que «coisa» quer dizer, quando sou eu a achar alguma coisa, o que é sempre uma rã ou uma lagarta – respondeu o Pato - , mas a questão é saber o que é que o arcebispo achou?
O Rato não prestou atenção a esta pergunta, mas continuou apressadamente:
- … achou aconselhável ir com Edgar Atheling ao encontro de Guilherme, para o coroarem. A conduta do Guilherme, a princípio, foi moderada. Mas a insolência dos seus súbditos normandos… Como é que se sente, minha querida? – continuou ele, voltando-se para Alice, enquanto ia falando.
- Encharcadíssima! – respondeu ela, melancolicamente. – Não me parece nada que isso me esteja a enxugar.
- Nesse caso – disse o Dodo, pondo-se em pé, todo solene -, eu proponho que esta assembleia seja adiada, para adopção imediata de medidas mais enérgicas.
- Fale um inglês que se perceba! – disse a Aguiazinha. – Não sei o que querem dizer metade dessas palavras compridas, e, ainda para amis, não acredito que voc~e também saiba! – E a Aguiazinha baixou a cabeça à socapa de alguns dos outros pássaros.
- O que eu ia dizer – continuou o Dodo, num tom ofendido – é que a melhor coisa para nos secarmos é fazermos uma corrida eleitoral.
- O que é uma corrida eleitoral? – perguntou Alice; não que ela estivesse muito interessada em saber, mas porque o Dodo fizera uma pausa, como se achasse que alguém devia falar, e porque mais ninguém parecia disposto a dizer fosse o que fosse.
- Ora… - disse o Dodo -, a melhor maneira de a explicar é fazê-la. (E, como vocês, podem querer fazer essa experiência numa noite de Inverno, vou explicar-vos como é que o Dodo organizou a coisa…)
Primeiro delimitou o campo com uma espécie de círculo («A forma exacta não tem importância», disse ele) e depois todo o grupo se espalhou aqui e além pelo campo. Não havia o sinal de «um, dois, três, largada…», mas começavam a correr quando lhes apetecia e paravam também quando lhes apetecia. Por isso não era fácil saber-se quando é que a corrida ia acabar… No entanto, depois de estarem a correr durante cerca de meia hora e de já estarem todos outra vez bem enxutos, o Dodo gritou, de repente:
- Terminou a corrida! – E todos se juntaram à volta dele, exaustos, a perguntar:
- Mas quem ganhou?
A esta pergunta o Dodo não foi capaz de responder senão depois de muito pensar; ficou sentado durante muito tempo, com um dedo apoiado na testa (na posição em que geralmente Shakespeare costuma aparecer nos seus retratos), enquanto os outros aguardavam, em silêncio. Finalmente, eis o que Dodo disse:
- Todos ganharam e todos têm de receber prémios.
- Mas quem vai dar os prémios? – disseram várias vozes em coro."

CARROLL, Lewis (trad. Vera Azancot), Alice no País das Maravilhas, Lisboa, Biblioteca Visão, 2000, p.p. 19 – 21.

posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, junho 30, 2003

Powered by Blogger Site Meter

Blogue de Luís Dias
amontanhamagica@hotmail.com
A montanha mágica YouTube




vídeos cá do sítio publicados no site do NME

Ilusões Perdidas//A Divina Comédia

Btn_brn_30x30

Google Art Project

Assírio & Alvim
Livrarias Assírio & Alvim - NOVO
Pedra Angular Facebook
blog da Cotovia
Averno
Livros &etc
Relógio D`Água Editores
porta 33
A Phala
Papeles Perdidos
O Café dos Loucos
The Ressabiator

António Reis
Ainda não começámos a pensar
As Aranhas
Foco
Lumière
dias felizes
umblogsobrekleist
there`s only 1 alice
menina limão
O Melhor Amigo
Hospedaria Camões
Bartleby Bar
Rua das Pretas
The Heart is a Lonely Hunter
primeira hora da manhã
Ouriquense
contra mundum
Os Filmes da Minha Vida
Poesia Incompleta
Livraria Letra Livre
Kino Slang
sempre em marcha
Pedro Costa
Artistas Unidos
Teatro da Cornucópia


Abrupto
Manuel António Pina
portadaloja
Dragoscópio
Rui Tavares
31 da Armada

Discos com Sono
Voz do Deserto
Ainda não está escuro
Provas de Contacto
O Inventor
Ribeira das Naus
Vidro Azul
Sound + Vision
The Rest Is Noise
Unquiet Thoughts


Espaço Llansol
Bragança de Miranda
Blogue do Centro Nacional de Cultura
Blogue Jornal de Letras
Atlântico-Sul
letra corrida
Letra de Forma
Revista Coelacanto


A Causa Foi Modificada
Almocreve das Petas
A natureza do mal
Arrastão
A Terceira Noite
Bomba Inteligente
O Senhor Comentador
Blogue dos Cafés
cinco dias
João Pereira Coutinho
jugular
Linha dos Nodos
Manchas
Life is Life
Mood Swing
Os homens da minha vida
O signo do dragão
O Vermelho e o Negro
Pastoral Portuguesa
Poesia & Lda.
Vidro Duplo
Quatro Caminhos
vontade indómita
.....
Arts & Letters Daily
Classica Digitalia
biblioteca nacional digital
Project Gutenberg
Believer
Colóquio/Letras
Cabinet
First Things
The Atlantic
El Paso Times
La Repubblica
BBC News
Telegraph.co.uk
Estadão
Folha de S. Paulo
Harper`s Magazine
The Independent
The Nation
The New Republic
The New York Review of Books
London Review of Books
Prospect
The Spectator
Transfuge
Salon
The Times Literary...
The New Criterion
The Paris Review
Vanity Fair
Cahiers du cinéma
UBUWEB::Sound
all music guide
Pitchfork
Wire
Flannery O'Connor
Bill Viola
Ficções

Destaques: Tomas Tranströmer e de Kooning
e Brancusi-Serra e Tom Waits e Ruy Belo e
Andrei Tarkovski e What Heaven Looks Like: Part 1
e What Heaven Looks Like: Part 2
e Enda Walsh e Jean Genet e Frank Gehry's first skyscraper e Radiohead and Massive Attack play at Occupy London Christmas party - video e What Heaven Looks Like: Part 3 e
And I love Life and fear not Death—Because I’ve lived—But never as now—these days! Good Night—I’m with you. e
What Heaven Looks Like: Part 4 e Krapp's Last Tape (2006) A rare chance to see the sell out performance of Samuel Beckett's critically acclaimed play, starring Nobel Laureate Harold Pinter via entrada como last tapes outrora dias felizes e agora MALONE meurt________

São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


Old Ideas

Past