A montanha mágica

sexta-feira, maio 16, 2003

TERTÚLIA

Caro JPP, abruptoblogspot.com:
Embora concordemos com a análise geral que faz da obra, permita-nos avançar com mais alguns pontos de vista.
Thomas Mann aborda na obra, como diz, a formação interior de um jovem, que até à subida à Montanha, tinha como ambições e rotinas, livros como Ocean Steamships, o prazer dos seus cigarros Maria Mancini e a sua futura entrada na firma Tunder & Wilms (Estaleiros, Fábrica de Máquinas e Caldeiras). No prazer de fumar estes cigarros, residia mesmo, um dos grandes momentos do seu dia-a-dia.
Todavia, desde que chega à Montanha, Hans Castorp, vai-se afastando gradualmente dos “vícios” da planície.
Se nos dias de hoje, temos dificuldade em encontrar mestres, na verdadeira acepção da palavra, muitas vezes, por nem se tentar, pois já sabemos tudo, Thomas Mann, “dá-lhe” dois. E se, Hans Castorp começa reticente… logo fica maravilhado! Contudo não vai escolher a “verdade” de qualquer um deles, vai sim, tentar compreendê-los aos dois. E aqui começa a sua odisseia pelo conhecimento, que até então, ignorara completamente.
Também, Miguel de Unamuno, na sua obra, Névoa, nos narra este percurso, desde o acordar do longo sono até… neste caso, até ao suicídio. Hans Castorp acaba na guerra.
Perguntar-se-á: valeu a pena Hans Castorp ter estado na Montanha, quando no final, tudo o que aprendeu, não pôde colocar em prática?
Quando Thomas Mann escreve, “ Este baile macabro a que foste arrastado durará ainda alguns anos criminosos e não queremos apostar muita coisa na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao deixar esta resposta sem pergunta.”, mais não descreve a falta de aprendizagem de gerações sucessivas sobre a complexidade da vida humana.
Dostoiévski, descreve muito bem este processo, na obra, Os Irmãos Karamazov, quando nos diz que “somos todos culpados de tudo e eu mais do que todos os outros”. O que dizer de um dos capítulos finais desta mesma obra, intitulado Os mujiques mostraram firmeza,?
Se uma sociedade não se responsabilizar pela condução da maior parte dos seus membros, aqueles que forem deixados para trás, terão no futuro o papel de algozes.
Nos dias de hoje, quando se coloca a questão, e vamos colocá-la aqui de uma forma simples (era outra discussão), valerá a pena formar a nível superior, jovens para o desemprego? As duas teses diferentes são: uma, diz que sim, pois cidadãos formados e munidos de ferramentas e utensilagem mental (não estamos a dizer, que quem não frequenta, ou frequentou estudos superiores, não tenha estes instrumentos, a experiência da vida é por vezes a melhor escola), saberão interpretar melhor o dia a dia, e quando for necessário decidir, equacionarão um rol mais vasto de hipóteses.
Não seria nesta situação que estaria Hans Castorp, se descesse da Montanha, não para ir para a guerra, mas para um posto de trabalho normal? E os mujiques manteriam tanta firmeza?
A outra tese defende que não vale a pena, sigam outras vias. E no momento de decidir? Terão reunido os instrumentos necessários para decidir? Terão tido um percurso de vida, que lhes permitiu aprender a relatividade? Não estamos a dizer também, que quem teve essa oportunidade, a aproveitou. Cada caso é um caso. Pelo menos mais oportunidades tiveram.
Note que achamos os estudos superiores um ponto de partida e não de chegada.
Pois é, o pessimismo de Thomas Mann, que como diz JPP, ele quis contrariar, também Teixeira de Pascoaes, o colocou no seu brilhante Regresso ao Paraíso, onde o descreve assim:

E a árvore da nova Fé
Levanta para o sol os ramos verdes;
E na amorável sombra que projecta
Rebrilham, como estrelas, os dois olhos
Da cobra tentadora
.”

Haverá esperança numa redenção do Homem? Para quem tem fé, a convicção é forte, sabendo desde logo que, a estrada para Damasco é dura de percorrer, debaixo de um sol lancinante.

Quanto aos romancistas dos últimos trinta anos, a Clara Ferreira Alves, num artigo datado de 3 de Maio de 2003, na revista "Única", do Expresso, escreve o seguinte: “Uma das acusações que se faz ao romance da segunda metade do século XX é ter ignorado o tempo histórico para se dedicar ao drama íntimo. Em vez de Musil e Mann, temos Updike e Roth. Ou Amis e Nabokov. Nada mais injusto. Todos os grandes romancistas, europeus ou americanos se preocuparam com o seu tempo histórico e dele se alimentaram. O drama íntimo, tal, como em Kundera é um pretexto para o grande tema clássico. Seja o do regresso de Ulisses a Ítaca, a odisseia do emigrante – essa invenção europeia – ou o da pornografia dos absolutos.”

A Clara Ferreira Alves, diz no mesmo artigo que “Milan Kundera é um dos escritores mais inteligentes que conheço, e um dos que melhor pensa, na sua ficção pontiaguda, a absurda contemporaneidade, o kitsch da política, a velocidade da história, a trivialidade, o ódio da lentidão (La Lenteur, título do penúltimo romance, antes de L`Identité).”

Que dizer também, das palavras de George Steiner, quando refere que o livro A Festa do Chibo, de Mário Vargas Llosa, publicado entre nós pelas Publicações Dom Quixote, é uma obra-prima?
E quando diz, que António Lobo Antunes é um génio?

Com estima.

posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, maio 16, 2003

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