quinta-feira, maio 22, 2003
POESIA
“Ler Camões é abandonarmo-nos ao sabor das ondas, receber os beijos salgados do mar, cair a prumo num mergulho até aos pélagos dos oceanos. Ler Camões é ter por berço o ritmo das ondas; é ver Portugal infante ouvindo o marulhar das águas atlânticas, é vê-lo, já menino, a escutar a voz misteriosa dos búzios; é vê-lo já homem lançar seu peito, como quilha de navio, ao desfloramento das águas virgens!”
Leonardo Coimbra
BABEL E SIÃO
Sôbolos rios que vão
Por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
As lembranças de Sião
E quanto nela passei.
Ali o rio corrente
De meus olhos foi manado,
E tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
Ali lembranças contentes
Na alma se representaram,
E minhas cousas ausentes
Se fizeram tão presentes
Como nunca se passaram.
Ali, depois de acordado,
Co rosto banhado em água,
Deste sonho imaginado,
Vi que todo o bem passado
Não é gosto, mas é mágoa.
E vi que todos os danos
Se causavam das mudanças
E as mudanças dos anos;
Onde vi quantos enganos
Faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
Quão pouco espaço que dura,
O mal quão depressa vem,
E quão triste estado tem
Quem se fia da ventura. (…)
Luís de Camões
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, maio 22, 2003