quinta-feira, maio 22, 2003
PINTURA
Júlio Pomar é, no início do século XXI, um dos nomes mais importantes da arte contemporânea portuguesa, e sem dúvida alguma uma das carreiras mais paradigmáticas da segunda metade do século precedente. Nascido em Lisboa, formou-se na Escola de Artes Decorativas António Arroio, frequentando depois as escolas de Belas-Artes de Lisboa e do Porto. Foi nesta última, ainda estudante, que protagonizou a liderança do movimento neo-realista e que, simultaneamente, se tornou conhecido do público português.
Em 1942, apresentou pela primeira vez a sua obra, numa colectiva realizada no atelier onde trabalhava. No mesmo ano, participava na VII Exposição de Arte Moderna do Secretariado de Propaganda Nacional / Secretariado Nacional de Informação (SPN / SNI), realizada em Lisboa, e, no ano seguinte, iniciava colaboração polémica na imprensa, defendendo os princípios da arte neo-realista. Em 1944, organizava, no Coliseu do Porto, a primeira de uma série de Exposições Independentes, que chegariam mais tarde a Lisboa. Mais tarde, viria a participação nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, entre 1946 e 1956. Mas cedo a sua pintura revelava transbordar os princípios doutrinários do neo-realismo, abstractizando as formas, por exemplo, e revelando uma atenção à composição que estava já muito além da norma defendida por outro membro do grupo, Vespeira: «A pintura tem de ser útil para servir os homens».
Um dos quadros de 1947, O Almoço do Trolha, actualmente pertencente à colecção do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), é bem exemplificativo deste facto. As três figuras, em composição centrada, caracterizam-se pela vocação monumental (e podemos aqui lembrar a importância que os muralistas mexicanos e o brasileiro Portinari exerceram no movimento em Portugal); o fundo, feito de um entrecruzar de formas, é abstracto, mesmo que o seu referente imediato seja o das construções civis. Esta obra foi feita um ano depois dos frescos realizados para o Cinema Batalha no Porto (mais tarde destruídos).
Em 1953, Pomar participa na campanha para artistas plásticos organizada pelo romancista Alves Redol no Ribatejo, o «Ciclo do Arroz». Daqui resulta uma Maria da Fonte, de 1957, em que a temática revolucionária e histórica é pretexto para uma pintura onde o movimento domina. Em 1963, o pintor emigra para Paris. A partir daqui, divide a residência entre as capitais francesa e portuguesa. É, contudo, Paris que lhe permite o contacto com outras realidades plásticas, e a abertura a universos mais amplos, que lhe permitirão desenvolver uma obra pessoalíssima, já alheada de quaisquer normas didácticas.
Por esta época, Pomar desenvolve uma série de «pinturas negras», homenagem discreta a Goya, e depois, em Paris, as séries das Tauromaquias, Les Courses e Catch, entre outras, onde encena lutas entre personagens, entre homens e animais, jogos de poder que se entendem como metáforas do corpo-a-corpo que o artista mantém com a pintura. E, mais ainda, que acompanham os temas adoptados por uma jovem geração de franceses que se interessa pela nova figuração.
Ainda da mesma época (finais dos anos 60) é a série sobre os acontecimentos de Maio de 68, e um conjunto de retratos de grupo que precede outras obras do mesmo teor que Pomar realizará dez ou quinze anos depois. Tudo se passa como se, reconhecendo os limites da pintura programática que era o neo-realismo, o artista revisitasse a história da pintura e dos seus temas para deles fazer uma interpretação pessoalíssima.
A estas obras, seguir-se-á uma série de colagens eróticas, em que o corpo feminino, fragmentado por força da técnica utilizada, se reconstrói ao sabor da imaginação e do desejo do autor. Durante os anos 80, Pomar realizará séries em que trata dos mitos fundadores da Europa, de Portugal, do Brasil. Os índios, o circo, os tigres (ou as onças, na sua versão feminina), Fernando Pessoa (também em azulejo numa estação do Metropolitano de Lisboa) combinam-se com personagens de contos e histórias infantis, inocentemente perversos, em quadros onde o gesto se associa a uma euforia cromática. A série La Chasse au Snark, L’ Entrée de Frida Khalo au Paradis, Contes Moraux, por exemplo, já da década de 90, recria o conto de Lewis Carroll, num entender da pintura como puro prazer de criar.
por Luísa Soares de Oliveira in www.artlink.com
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, maio 22, 2003