A montanha mágica

quarta-feira, maio 21, 2003

HOMENAGEM



Leonardo Coimbra - 1883-1936

POLÍTICO EDUCADOR FILÓSOFO

“Ao tentar a palavra que há-de achar o caminho de vossas almas é-me levado o pensamento para recordações da minha aldeia. Ela mora encostada a uma montanha, onde costumo ir despedir-me do Sol poente. Ali, no templo do silêncio, aprendi a falar. Na hora dos humildes, quando o vento do crepúsculo leva de planta a planta o frémito do mistério, tenho sentido a eloquência do Silêncio e o valor das lágrimas. Frente a frente do Marão, doirado ainda, ergue o espinhaço gigante, a fronte concentrada e áspera. Em baixo, a aldeia formosa estende-se pela fecundidade da planície. O fumo dos lares sobe, santificando o trabalho, levando na ascensão a mais pura de todas as orações o agradecimento do ingénuo camponês à divindade oculta.”

COIMBRA, Leonardo – Cartas, conferências, discursos, entrevistas e bibliografia geral. Lisboa: Fundação Lusíada, 1994.


“Quando, colegial, numa verde cidade provinciana, saía aos domingos a passeio e acontecia atravessar as ruas da cidade, era um rumor de asas, que, dentro em mim, se abriam ao olhar os afastados vultos femininos, recortando a luz das janelas. Eram primaveras de ignorados mundos a lançarem-se sobre mim misteriosos perfumes, tépidos segredos, orgias inocentes, bacanais castíssima; e o corpo, em jeitos de alma, evocava castelos à beira-rio, jardins sobre terraços ao crepúsculo, ânforas de água carregando pagens, brancos jasmins esparsos, todo um mundo de brandura, enlevo, afago, devoções, renovados encantos de novas harmonias. A Mulher era o Mistério.”

A alegria, a dor e a graça.


“Meu pai! Como sinto viva e presente aquela noite que juntos dormimos num quarto de hotel da pequena cidade provinciana! Era uma dessas noites de abandono em que me sentia perdido no frio e na escuridão. Meu pai apareceu inesperadamente e saímos juntos. Que intimidade, que conforto, que protecção amiga!...
Deitado no braço paterno eu senti a amizade perfeita, a tranquilidade plena, o enternecimento da felicidade.”

A alegria, a dor e a graça.


“E o colégio? Um casarão enorme que ainda assim vive na minha imaginação e que, no entanto, verifiquei outro dia ser uma bem pequena casa. Aí, a incerteza dos nossos sentidos, como tudo é sonho! Era em Penafiel. Que melhor sítio para uma cadeia? Um alto, em roda verdes planícies, regatos cristalinos, plátanos, freixos, acácias, austrálias e, ao longe, em frente de mim, na sala do estudo, uma linha de horizonte de pinheiros em filas. Nunca me pude convencer que não ouvisse a voz das camponesas da minha aldeia, que sempre julgava ser ali. E eram cinco léguas de separação! O meu colégio era dos velhos moldes; a disciplina era brutal e assustadora, muitas palmatoadas reais, muitas em ameaça, e longas horas de silencioso estudo na sala da minha janela. Oh, secretos mistérios da pedagogia!
Se consultam a minha proficiência pedagógica, dir-lhes-ei que a do meu colégio era péssima; reconheço todavia que ela me fez sonhador.
Sim, foi no colégio que aprendi a cismar.”

A alegria, a dor e a graça.


“Mas há uma parte da minha 0obra que eu hei-de defender por todos os meios e formas, pois tenho a audácia de afirmar que ele é o mais claro sinal de que a República ama o Povo e vive de coração atento às suas necessidades espirituais. Refiro-me às escolas primárias superiores e a possibilidade de aproveitamento dos seus alunos para a alta cultura.”

“Povo de Portugal: amei-te, quis dar-te o melhor e mais bondosa atenção; saíram-me ao caminho homens que dizem te não soube amar; eu creio firmemente, e pela bênção do meu sacrifício e pelo firme propósito do meu amor, que um dia a obra será fecunda, em troca e excesso, eu receberei a alegria de ver multiplicado o meu carinho nos abraços da tua fraternidade!...”

A Questão Universitária.


“O que deve ser um professor?
Um professor deve ser naturalmente um apóstolo da ciência. Ele deveria procurar para cada aluno a solicitação psicológica especial, atendido o seu particular temperamento.
O professor deveria ser o companheiro de trabalho, o amigo, que, auxiliando o estudante, guiaria, criando o meio adequado ao seu espírito indagador e curioso. O que é o professor português? Na sua generalidade, o tipo simbólico do professor português é o chefe Solteiro da polícia secreta. Autoritário, despótico e sinistro, ele é a sentinela feroz da caderneta. Não procura despertar a curiosidade científica do estudante. E não o faz, porque ele não ama a ciência, porque ele não é um homem da ciência. Ele é um burocrata, que faz da sua posição científica (?) pedestal das suas ganâncias sofreguidões políticas. Sabe que, por sua vez, o professor é uma vítima da inércia mental que nos cerca; mas ele, mais ninguém, deveria lutar.”

A Voz Pública, ano XX, nº. 5908 (Porto, 1-06-1909).


“O Estado deve a todo o homem a cultura da sua liberdade criadora da cultura nacional humana. O Estado não poderá proibir os núcleos de educação que se coloquem dentro deste critério de entendimento no respeito ao espírito desta cultura. O Estado tem de limitar a sua acção à linha geral da cultura, não pode impor mais que um método, uma atitude que deixa às liberdades a escolha das doutrinas especulativas que mereçam o seu acordo.”

O problema da Educação Nacional. Porto: Maranus, 1926.

“A educação tem de habilitar a criança para a vida do homem. Não pode ser uma simples experiência resumida da vida do homem, porque nem sequer essa vida, que é futura, nos é inteiramente conhecida em seus detalhes. A educação terá pois de dar faculdades de acção ou de conhecimento em vez do automatismo de todos os actos e de catálogo de todos os conhecimentos…”

Cartas, conferências, discursos, entrevistas. Bibliografia geral de Leonardo Coimbra. Lisboa: Fundação Lusíada, 1994.


“Eis a filosofia que um pensador português pensou na sua terra natal, diante da evocação de todos os homens e seres, na mais pura sinceridade e na mais verídica, fremente e directa curiosidade.”

Lixa, 5 de Maio a 20 de Junho de 1912.


AMOR – “O Amor leal amou, falando, a natureza inteira: precisa do afastamento para, no Silêncio, chegar até Deus. … O homem deu a volta a um hemisfério da existência e a mulher ao outro: traz cada um consigo, para o Milagre do Encontro, a metade directamente luminosa dum mesmo mistério.”
“Na mulher que amamos, amamos o Universo inteiro. E para que os lábios da mulher amada nos digam todo o sonho disperso, toda a humildade, toda a dor e ansiedade do Universo, é preciso que o nosso coração tenha inundado todas as cousas e delas tenha recebido toda a beleza interior, toda a bondade latente.”

CIÊNCIA – “A Ciência por certos aspectos de convergência da natureza introduz a noção de limite e quantificação. Mas essa mesma introdução implica que entre o homem e a natureza existe uma analogia e uma diferença. (…) De modo que o homem é mais que um simples instrumento testemunha dos fenómenos, é mesmo mais que pura percepção dos gráficos desse instrumento.”
“O Cientismo é um hábito do espírito. Como hábito, é inconsciente e, por isso, dogmático.”

CRIACIONISMO – “Este método dialéctico, construtivo, é ao mesmo tempo um método pedagógico. Chega às últimas e supremas ideias, mas por um progressivo esforço; ergue-se ao céu, mas sem deixar o contacto da terra; chega a deus, mas sem abandonar o mundo e o homem.”
“A nossa filosofia é uma filosofia da liberdade, porque o seu universo é uma sociedade de consciências e a consciência feita pessoa é a actividade livre e criadora…
É uma filosofia da liberdade, e, por isso, merece o nome de criacionismo.”

HOMEM – “O homem é tudo, o resto nada mais que matéria oferecida à sua ambição e conquista.”
“A tragédia do homem está na ignorância de si e do Universo em que vive, ou antes, convive. A sua vida é uma relação, ou melhor, um sistema de relações com esse universo.”
“A vida é como é, e, por mais que se queira fazer do homem um teorema, ele será sempre uma alma, tendo, a vibrar, no fundo do seu ser e em natureza primeira, um clamoroso e invencível apelo do Infinito.”

MORTE – “A Morte é o primeiro e último enigma, ela é a velha Esfinge, guardando com a sua magestosa presença o silêncio do Deserto das Pirâmides.”
“A Morte é a sombra que a vida projecta no Infinito.”
“Morremos para que a Vida supere a vida, para que o sonho se insinue, para que novos sóis refractem nova luz num prisma da mais amorosa contemplação.”

VIDA – “A vida é uma criação contínua, é preciso tecer o casulo que sirva à metamorfose, porque esta infinita vontade que anima a vida do Universo penetra-nos de tão faminto desejo de compreensão e beleza que muitas vidas não bastam para saciar uma fome imortal.”
“Viver é renascer, e renascer é retomar o seu lugar no Universo, o seu esforço de expansiva e dramática comunicação.”

COIMBRA, Leonardo (Spt. Jornal Público), Político Educador Filósofo, Felgueiras, Câmara Municipal de Felgueiras, Novembro de 2002.

posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, maio 21, 2003

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