A montanha mágica

quinta-feira, abril 17, 2003

LITERATURA


(…) Na minha infância, minha mãe sugeriu que eu lesse Guerra e Paz, e, durante muitos anos, ela citou frequentemente o romance, chamando-me a atenção para a subtileza e as particularidades da prosa de Tolstoi. Desse modo, Guerra e Paz, tornou-se para mim uma espécie de escola de arte, um critério de gosto e profundidade artística; depois desse livro, nunca mais consegui ler porcarias, que sempre me causaram um profundo desagrado.
Em seu livro sobre Tolstoi e Dostoievski, Merezhokoski critica os trechos em que os personagens de Tolstoi põem-se a filosofar, formulando, por assim dizer, suas ideias definitivas sobre a vida… Contudo, mesmo concordando inteiramente que a ideia de uma obra poética não deve ser formulada com base apenas no intelecto, ou, de qualquer modo, embora concorde com esta afirmação em termos gerais, devo ainda dizer que estamos falando da importância de um indivíduo numa obra literária, onde a sinceridade da expressão de suas próprias ideias constitui a única garantia de seu valor. E, mesmo achando que a crítica de Merezhzovski baseia-se num raciocínio lúcido, isso não faz com que eu deixe de amar Guerra e Paz, inclusive, se assim o quiserem, os trechos que são um “equívoco”. O génio, afinal, não se revela na perfeição absoluta de uma obra, mas sim na absoluta fidelidade a si próprio, no compromisso com sua própria paixão. O anseio apaixonado do artista de encontrar a verdade, de conhecer o mundo e a si próprio dentro desse mundo, confere um significado especial até mesmo aos trechos um tanto obscuros de suas obras, ou, como se costuma dizer, “menos bem-sucedidos”.
Pode-se ir ainda mais longe; não conheço uma só obra-prima que não tenha suas fraquezas ou que esteja inteiramente isenta de imperfeições, pois as tendências pessoais que criam o génio e a integridade de propósitos que sustenta sua obra constituem a fonte não apenas da grandeza de uma obra-prima, mas também das suas falhas. Volto a dizê-lo – pode-se dar o nome de “falha” a um componente orgânico de uma visão de mundo integral? O gênio não é livre.
Como escreveu Thomas Mann: “Só a indiferença é livre. O que tem caráter distintivo nunca é livre; traz a marca do seu próprio selo; é condicionado e comprometido.” (…)

in Esculpir o Tempo, Andrei Tarkovski.

posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 17, 2003

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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