quinta-feira, abril 10, 2003
“GARGÂNTUA E PANTAGRUEL”
No espaço de oito dias, a selecção portuguesa de futebol, candidata ao título europeu, jogou duas vezes.
Um dos jogos não teve história.
No outro, contra o Brasil, Luís Figo, um dos mais brilhantes futebolistas portugueses de sempre, foi duplamente derrotado.
Foi derrotado como jogador.
Primeiro, porque não jogou.
Segundo, porque o seu substituto, Sérgio Conceição, jogou muito bem.
Terceiro, porque Deco - (…) – foi recebido de braços abertos pelo público.
Quarto, porque Deco marcou um golo que ainda por cima foi o golo da vitória.
Quinto, porque essa vitória mostrou que a selecção portuguesa pode ganhar à equipa campeã do mundo sem Figo, ou seja, mostrou que Figo não é imprescindível.
Mas Luís Figo, no sábado passado, sofreu outra derrota: uma derrota como líder da selecção portuguesa.
(…) Desiludam-se, porém, os que já vêem Figo fora da selecção.
Ele ainda pode dar muito ao futebol português.
Só que, até há pouco, tinha o lugar garantido – e, agora vai ter de lutar por ele.
Até há pouco era ele quem ditava as regras do jogo – e, agora, quem as dita é Luiz Felipe Scolari. (…)
in Editorial do Expresso
PORTUGAL SACRO-PROFANO
LUGAR ONDE
Neste país sem olhos e sem boca
hábito dos rios castanheiros costumados
país palavra húmida e translúcida
palavra tensa e densa com certa espessura
(pátria de palavra apenas tem superfície)
os comboios são mansos têm dorsos alvos
engolem povoados limpamente
tiram gente de aqui põem-na ali
retalham os campos congregam-se
dividem-se nas várias direcções
e os homens dão-lhes boas digestões:
cordeiros de metal ou talvez grilos
que a mãe aperta ao peito os filhos ao ouvi-los?
Neste país do espaço raso do silêncio e solidão
solidão da vidraça solidão a chuva
país natal dos barcos e do mar
do preto como cor profissional
dos templos onde a devoção se multiplica em luzes
do natal que há no mar da póvoa de varzim
país do sino objecto inútil
única coisa a mais sobre estes dias
Aqui é que eu coisa feita de dias única razão
vou polindo o poema sensação de segurança
com a saúde de um grito ao sol
combalido tirito imito a dor
de se poder estar só e haver casas
cuidados mastigados coisas sérias
o bafo sobre o aço como o vento na água
País poema homem
matéria para mais esquecimento
do fundo deste dia solitário e triste
após as sucessivas quebras de calor
antes da morte pequenina celular e muito pessoal
natural como descer da camioneta ao fim da rua
neste país sem olhos e sem boca
RUY BELO
Titulo: Desterrado
Autor: António Soares dos Reis (1847-1889)
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 10, 2003