A montanha mágica

sexta-feira, abril 18, 2003

CRÓNICAS

As perguntas incómodas

Clara Ferreira Alves

Nada mais repugnante do que ver aqueles que armaram, sustentaram, apoiaram e fizeram de Saddam Hussein a sua criatura e o seu cliente, reunidos à volta dos despojos de um país e de um povo saqueados e destruídos (primeiro pelo ditador e agora pelos libertadores) a cobiçar os contratos e negócios da reconstrução. Comecemos pelos europeus. Apesar das sanções económicas, os europeus ganharam muito dinheiro em Bagdade nestes últimos anos. Enquanto no sul do país, em Bassorá, as crianças morriam de subnutrição e doença, de leucemia e de desidratação, os europeus enriqueciam com a ditadura e o embargo. E os árabes do Golfo, eternos intermediários, também.
Quem vendeu os carros de luxo ao clã de Saddam, os Ferraris e os Mercedes? A Alemanha e a Itália. Quem vendeu as minas antipessoais? A Grã-Bretanha. Quem comprou petróleo iraquiano barato? A Espanha. Quem tratou Saddam Hussein e o seu dilecto filho Uday, quando aquele esteve doente e este esteve à morte depois de um atentado em que terá perdido a virilidade, dizia-se, por ordem do pai? A França. Quem construiu um dos bunkers, o mais sólido e blindado? A Suécia. E por aí fora. Dos palácios às armas de destruição maciça, todos fizeram negócio com o cliente Saddam, incluindo os russos que tentaram vender-lhe a matéria-prima e a tecnologia nuclear.

E os americanos? Limitaram-se a fazer de Saddam a sua criatura contra o Irão, colocando-o no trono e deixando-o, depois da primeira guerra do Golfo, no trono, porque mais valia um ditador conhecido do que um Iraque chefiado por xiitas e contrário aos interesses americanos. A história recente do Iraque é a história de um martírio e de uma tortura em nome da razão americana e da sua cegueira, e da ganância europeia.

Os iraquianos são agora um povo livre? Não. São apenas um povo de pedintes e vagabundos e de cidadãos à mercê da ajuda humanitária e das corporações americanas, entre outras. À mercê do dólar e da caridade. São um povo espoliado, vilipendiado, assassinado. E tudo se passa ante os nossos olhos, este registo longuíssimo de horrores agora justificado pelo fim de Saddam e pelos retratos esfaqueados e bronzes derrubados. Até o passado iraquiano se perdeu, quando as 170 mil peças do seu Museu foram roubadas.

Não se chegou a este ponto de desconsolo apenas pela garra de Saddam, não. Chegou-se aqui pela acumulação de todos os horrores da estratégia errada para o Médio Oriente, e de tudo o que está errado na humanidade. Que um povo seja obrigado a pagar este elevado preço pela sua «libertação», o dos seus mortos, torturados, dizimados, feridos, amputados, queimados, destituídos, não cabe na cabeça de ninguém com um vestígio de racionalidade. O que aconteceu e continua a acontecer ao Iraque nestes últimos 35 anos, é o atestado de um mundo ocidental corrompido pela sua sede de poder e de petróleo, e de um mundo árabe corrompido pela sua riqueza petrolífera.

E que, em Washington, um homem se ria alarvemente disto tudo, durante uma conferência de imprensa, para dizer que os iraquianos estão felizes, é um atestado da perigosa política externa americana. Donald Rumsfeld pode estar feliz, os iraquianos não estão.

Tal como agora, todos as respostas às perguntas incómodas sobre o passado, o presente e o futuro do Iraque são respondidas no plano das «boas» intenções, como se de boas intenções não estivesse aquele inferno cheio.

in diariodigital.pt


posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 18, 2003

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