terça-feira, janeiro 26, 2010
Como não consegui arranjar o útimo ípsilon do ano e como só agora dei com os olhos no texto que Alexandra Lucas Coelho, O espelho de Hipátia, escreveu sobre o Ágora, de Alejandro Amenábar, destacar só este excerto de Bolaño: os detectives selvagens, página 494.
"29 de Janeiro
Encontrámos isto: uma professora ainda no activo conta-nos que conhecera Cesárea. Fora em 1936, e a nossa interlocutora tinha então vinte anos. Ela acabava de ocupar o lugar, e Cesárea trabalhava havia poucos meses na escola, pelo que fora natural que se tornassem amigas. Não sabia a história do toureiro Avellaneda, nem a história de nenhum outro homem. Quando Cesárea deixara o trabalho, a ela custara-lhe a compreender, mas aceitara-o como uma das peculiaridades que distinguiam a sua amiga.
[...]
Na época em que Cesárea trabalhava na fábrica de conservas, quando se encontravam no centro de Santa Teresa para ir ao cinema, ou para que a acompanhasse às compras, quando chegava tarde aos encontros costumava encontrá-la a escrever num caderno de capa preta, como o anterior, mas de formato mais pequeno, um caderno que parecia um missal, e onde a letra da sua amiga, de caracteres diminutos, deslizava com um enxame de insectos. Nunca lhe lera nada. Uma vez perguntara-lhe sobre o que escrevia, e Cesárea respondera-lhe que sobre uma grega. O nome da grega era Hipatia. Tempos depois procurara numa enciclopédia, e soubera que Hipatia era uma filósofa de Alexandria morta pelos cristãos no ano de 415. Pensara, talvez impulsivamente, que Cesárea se identificava com Hipatia. Não lhe perguntara nada mais, ou, se lhe perguntara, já se tinha esquecido."
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, janeiro 26, 2010