quinta-feira, agosto 13, 2009
Ontem, e hoje, de manhã, também li dois textos notáveis
: um de Herberto Helder que começa de forma prodigiosa
"Algumas pessoas atentas começam agora a descobrir o sentido de determinados acontecimentos ocorridos há cinquenta anos. Certa gíria chama a isto perspectiva histórica. É bem de ver que não se pode considerar numerosa a gente que, decorridos cinquenta anos, já possui uma perspectiva histórica. Um clima espiritualmente desfavorável, empenhamentos que afastam a objectividade, sem contar que meio século pouco significa para uma correcção pedagógica da estupidez – tudo isto, digo, não tem permitido tornar-se mais geral o entendimento da lição revolucionária que nos legou a geração de Fernando Pessoa.
A ambiguidade de uma geração é algo que nasce não dela mesma, como entidade criadora, mas da resistência oferecida pelos seus elementos estáticos. A decifração de um tempo, isto é, a solução da sua ambiguidade, realiza-se mercê dos elementos criativos do tempo seguinte, acção esta que é nada mais nada menos do que a consecução da perspectiva histórica. O comum das pessoas não possui mais do que a aceitação (induzida) das significações. Elas aceitam, por espírito de convenção, o que a história garantiu. A seu respeito não se deve falar, por conseguinte, em conseguimento de uma perspectiva. A compreensão da massa é sempre formal, jamais atingindo a intimidade das forças que tornaram revolucionário certo momento.
Mas nem sempre, considerando mesmo que só as élites intelectuais participam do progresso no conhecimento e da decifração das suas cifras de base, nem sempre essas próprias élites se movem na direcção propícia à captação dos valores inovados pela geração anterior."
, e vai crescendo e crescendo e crescendo; um curso longo sobre tanto, em meia dúzia de páginas.
E outro, de J. M. Coetzee, Las cartas íntimas de Beckett, a dada altura
"El momento decisivo de la educación estética de Beckett tiene lugar durante la visita a Alemania, cuando se da cuenta de que es capaz de entrar en diálogo con las pinturas en sus propios términos, sin la mediación de las palabras. "Antes nunca me sentía cómodo con una imagen hasta que era literatura", le escribe a McGreevy en 1936, "pero ahora esa necesidad desapareció".
Su guía aquí es Cézanne, que llegó a ver el paisaje natural como "de una extrañeza inabordable", una "disposición ininteligible de átomos", y tuvo la inteligencia de no irrumpir en su extrañeza. En Cézanne "ya no hay entrada ni comercio alguno con el bosque, sus dimensiones son su secreto & no tiene comunicaciones que hacer", escribe Beckett. Una semana después vuelve sobre el tema: Cézanne tiene un sentido de su propia inconmensurabilidad, no sólo con el paisaje, sino –a juzgar por sus autorretratos– con "la vida (...) que opera en él". Aquí resuena la primera verdadera nota de la etapa madura, posthumanista, de Beckett."
ponto.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, agosto 13, 2009