segunda-feira, dezembro 03, 2007
"O seu trabalho cruza um lado contemporâneo com outro eminentemente clássico. Há uma influência assumida do Gótico Tardio, e já afirmou que os seus grandes mestres vêm dos séculos XIV e XV. Como é que nasce esse cruzar de linguagens?
É complexo mas não sou eu que as cruzo, são as linguagens que se cruzam por si. Como todos os estudantes de Belas-Artes tive que conhecer a História da Arte e tentar compreender a sua evolução, recuo e ligações. Há linhas que se mantêm ao longo dos séculos, linhas de permanência que são mais interessantes para mim. O Tilman Riemenschneider, escultor do Gótico Tardio alemão, continua a ser para mim o grande mestre e o grande exemplo. Fui ver três vezes a grande exposição dele, em 2004, e percebi como aquela escultura é um ensinamento de tudo, da escultura mas também da vida, dos materiais, do desenho, da maneira como se coloca a arte no mundo. Muitas pessoas definem o meu trabalho como sendo minimalista ou pós-minimalista, mas isso são tudo definições. O que acontece é que para ter uma linguagem clara técnica tem que ser precisa. E nesse sentido aproximo-me do Minimalismo, mas são propósitos um bocado diferentes.
O que é que busca no Gótico Tardio?
A capacidade de trabalho, a capacidade de anonimato e a capacidade de transmitir através de formas a noção de fé, a noção de um mais além, de uma coisa que não tem princípio nem fim.
[...]
Começou por outros materiais mas rapidamente optou por trabalhar o ferro, tradição especificamente ibérica, que conjuga com o ideário romântico. O que resulta que de cada peça imane um forte apelo físico e sensorial. Porquê a escolha do ferro? É também o fogo como força primitiva que o seduz?
Quando fui para Belas-Artes comecei por trabalhar em pedra, mas rapidamente percebi que a pedra tem um tempo e um peso quase fúnebre. É de uma lentidão extrema, muito pouco elástica. Comecei a trabalhar em ferro por absoluta paixão. Tive a percepção que era o meu caminho. Eu sou um ferreiro, sou de facto um ferreiro. Aquela violência que é preciso usar para dominar o material, que passa por cortar, martelar, dobrar, soldar, pôr ao rubro, forjar. Essas acções acontecem com a ajuda do fogo e da violência física. Percebi que esse era o meu destino. Era o que o meu corpo, a minha cabeça e o meu coração precisavam para ter lugar no mundo. Passados vinte anos continuo a aprender todos os dias e ainda não sei nada, praticamente. Eu vejo o caminho em que estou como uma aprendizagem muito lenta. Não tenho qualquer interesse em experimentar outros materiais e técnicas. Interessa-me aprofundar o pouco que sei do ferro. Não há escultores jovens, é um conceito impossível. Um escultor tem que ser velho, tem que ter oitenta anos para poder compreender o que fez, olhando para trás. Espero ansiosamente chegar aos oitenta anos para começar a perceber o que fiz, e para conseguir trabalhar melhor o ferro. É uma questão de tempo."
Excerto de uma entrevista a Rui Chafes publicada ontem na Pública.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, dezembro 03, 2007