A montanha mágica

quinta-feira, abril 08, 2010

chincuales




LMD, fotograma de 3 Godfathers, John Ford



Cedo piaste, ó Casanova, Rogério, ainda que no consultório literário (desta feita entregaram-me as fotocópias durante o corrente do mesmo número, da revista que é mais de ver, ler mesmo só a ti e a mais outro e uma ou outra reportagem, vai lá à página onde nada se diz sobre o livro do grotesco ver se não é verdade? é mau de mais, não é? --as pessoas deviam poder dizer merda escrevendo mesmo merda e não outras a passar por ela-- já folheei a dita, numa ou noutra oportunidade, numa ou noutra livraria e achei que a qualidade do papel, pena pelas árvores, era demasiado bom e devia antes ser mais como estas fotocópias recicladas que aqui tenho à frente e que nem o número das páginas dá para ver; andando): "o que encadeia noutra sensação: creio que Bolaño é um autor que se lê, mas não um autor que se relê. Ao contrário de outras obras de dimensão semelhante, 2666, por exemplo, não premeia segundas ou terceiras leituras. Não haverá puzzles secundários a decifrar, porque não havia puzzle primário. Não se assimilarão significados ocultos, porque a tese central do livro (a única tese, na verdade) afirma a futilidade da busca de significados ocultos, e o autor dedicou-se a sabotar até os parcialmente visíveis."

Piaste demasiado cedo, não deste tempo ao tempo, não te deste tempo, não te deixaste respirar, sufocaste-te, quiseste e queres ser e ter demasiada pressa em emitir chavões que o tempo não te permitirá (quantos dias é que a excalibur esteve enterrada?), cuidado Lucien, perdão, Casanova, cuidado que eles devoram tudo ou comem tudo eles comem tudo e depois é a vida.

Então de outubro de 2009 até abril de 2010, melhor, de Um dos maiores etecéteras da actualidade e de Roberto Bolaño e o segredo do mundo (onde te equivocas nomeadamente no penúltimo parágrafo) a A encomenda chegou bem, e os sapatos são muito bonitos... desbaratas, melhor, quase desbaratas continuas a ser e a ter a excelência), é assim mesmo, só fecha não abre, continuando, quase desbaratas tudo aquilo que escreveste no caso de Um dos maiores etc... mesmo que aproveitando o subtexto que Bolaño nos vai dando e dando, através de uma filantropia sem fim, a tua excelência permitiu-te isso, aproveitares-te e sugares antes dos outros, estás à frente dos outros mesmo muito.

Mas tenho de te dizer por que é que cedo piaste. Para além de não teres dado tempo ao tempo, falta-te, talvez, L'Emploi du temps, não é ver mas se calhar escrever talvez mas com mais dúvidas, talvez, 2666 é uma bíblia e sendo um conjunto de livros e por ser aquilo que é... vai ser lido e relido e relido ainda por muitos e muitos olhos e anos e já nem falo da universidade aí... enfim... não sei. Sério. Não sei como te falhou o passo mas deixa-te de pressas.

Um exemplo, do 2666:

"Com Norton foi diferente. Morini repetiu que não ia viajar. Que o médico o proibia. Que pensava escrever-lhes todos os dias. Até se riu e permitiu-se uma piada tonta que Norton não percebeu. Uma piada de italianos. Um italiano, um francês e um inglês num avião onde só há dois pára-quedas. Norton julgou tratar-se de uma anedota política. Na realidade era uma anedota de crianças, embora o italiano do avião (que perdia primeiro um motor, depois o outro e depois começava a capotar) se parecesse, da forma como Morini contava a piada, com Berlusconi. Na realidade, Norton mal abriu a boca. Disse hahã, hahã, hahã. E depois disse boa noite, Piero, nun inglês muito doce ou que a Morini pareceu insuportavelmente doce e depois desligou. (p. 134)

Estivemos a conversar durante horas. Falámos da direita em Itália, do ressurgimento do fascismo na Europa, dos imigrantes, dos terroristas muçulmanos, da política britânica e norte-americana e à medida que falávamos eu ia-me sentindo cada vez melhor, o que é curioso pois os temas da conversa eram mais para o deprimente, até que eu já não aguentei e pedi-lhe outro bolinho mágico, pelo menos mais um, e então Morini viu as horas e disse que era normal que eu tivesse fome, e que faria uma coisa melhor do que dar-me um bolinho de pistácio, tinha reservado uma mesa num restaurante de Turim e ia levar-me a jantar lá. (p. 185)
O pai de Amalfitano opinava que todos os chilenos eram uns maricas. Amalfitano, que tinha dez anos, dizia-lhe: ó papá, maricas são os italianos, repare só na Segunda Guerra Mundial. O pai de Amalfitano olhava muito sério para o filho quando este dizia aquelas palavras. O pai dele, o avô de Amalfitano, tinha nascido em Nápoles. E ele próprio se sentiu sempre mais italiano do que chileno. (...) Depois vinham as investidas: os pugilistas chilenos são todos uns maricas, todos sem excepção, dispostos a deixar-se enganar, dispostos a deixar-se comprar, dispostos a baixar as calças quando só se lhes pediu que tirem o relógio. A isto Amalfitano, que aos dez anos não lia revistas desportivas mas sim de história, sobretudo de história bélica, respondia que esse lugar estava mais reservado para os italianos e remetia para a Segunda Guerra Mundial. O pai então ficava em silêncio, a olhar para o filho com franca admiração e orgulho, como que a interrogar-se de onde raios teria saído aquela criança, e continuava em silêncio durante mais algum tempo e a seguir dizia-lhe em voz baixa, como se lhe contasse um segredo, que individualmente os italianos era corajosos [aqui nesta parte há uma gralha, verbo e adjectivo não condiz]. Mas admitia que eles em massa eram uns autênticos palhaços. E resumia dizendo que era isso, precisamente, o que ainda dava alguma esperança." (páginas 233 e 234)


LMD, fotograma de The Treasure of the Sierra Madre, John Huston



Aqui há três quatro anos, governava Romano Prodi, um imigrante romeno assassinou uma cidadã italiana, romana, creio. O que é que se pediu nos jornais, o que é pediam os partidos o que é pediam e diziam? Que se expulsassem todos os romenos de Itália, que já bastava, que não podia continuar. Que se expulsassem todos os romenos de Itália. Que se expulsassem todos os romenos de Itália.

Socorro.

Jornal Público, domingo 28 Março 2010, capa: "Regionais vão testar força de Berlusconi, páginas 12 e 13, Mundo: Episódios e palavras de uma campanha à italiana, A gafe: "Aos 73 anos, o homem dos implantes de cabelo e das plásticas sem fim, cujas gafes Massimo D`Alema um dia descreveu como ´planetárias`, não resistiu a marcar a última semana de campanha com um comentário ao seu estilo. A aparência como tema, com a governadora do Piemonte, Mercedes Bresso, como alvo: ´Sabem por que é que Bresso está sempre maldisposta? Porque, de manhã, olha no espelho para se maquilhar e vê-se, Assim, o dia dela fica estragado`, disse na terça-feira em Turim. Bresso, candidata do centro-esquerda de 65 anos, respondeu à altura: ´Estou sempre bem-disposta. E maquilhagem não uso muita, não preciso de tanta como Berlusconi. Sou nova, estou em forma e não fiz nenhuma plástica."

Jornal Público, terça-feira 30 Março 2010, capa: Regionais em Itália, Extrema-direita segura resultado de Berlusconi... página 9, Mundo: título: Berlusconi ultrapassa teste eleitoral graças à subida da Liga do Norte nas regionais "A maior abstenção dos últimos 15 anos e uma forte subida da Liga Norte --o partido xenófobo aliado de Silvio Berlusconi poderá, pela primeira vez, governar duas regiões. Estes são os dados mais marcantes das eleições regionais em Itália, a que o primeiro- ministro sobreviveu, ao conseguir arrebatar pelo menos duas das onze regiões que a esquerda governava.

Estamos todos um pouco enojados [...], os políticos passaram pouco tempo a falar do conteúdo e demasiado das tricas políticas e isso não agradou a ninguém, confirmou Armando Rizzo, eleitor de Roma ouvido pela Reuters.

No Norte a esquerda já não existe, está KO [...] só o PdL resistiu ao tsunami da Liga, vangloriou-se Bossi, o primeiro dos líderes a comentar os resultados.

Mas se o crescimento dos aliados do Norte permitiu a Berlusconi ultrapassar o último teste eleitoral antes das legislativas (previstas para 2013), poderá ser elevado o preço a pagar: Bossi já fez saber que pretende mais pastas no actual Governo (detém já três ministérios) e não esconde as suas ambições à Câmara de Milão, na posse do PdL.

[Numa caixa de texto na mesma página 9, Mundo]: Governador suspeito de ligações à Máfia aliado de Berlusconi em novo escândalo na Sicília".


Jornal Público, quarta-feira 31 Março 2010, página 16, Mundo, título: Liga domina a itália rica e quer passar a ditar a agenda política de Berlusconi. "O real vencedor das regionais não foi o ´Cavaliere`, mas o partido de Bossi, que alargou a sua influência e pretende agora ser o ´motor da maioria`. A esquerda estagna

O liguista Luca Zaia, ministro da Agricultura, foi plebiscitado na região do Veneto (Veneza). Outro, Roberto Cota, arrebatou ao centro-esquerda o Piemonte (Turim), região operária e emblemática sede da FIAT. A votação da Liga subiu exponencialmente na Lombardia (Milão), muito perto dos números do Povo da Liberdade (PdL) de Berlusconi, o que tem alto valor simbólico.
Prossegue também a paciente implantação em territórios da esquerda como a Toscana (Florença), a Emilia-Romagna (Bolonha), a Ligúria (Génova) ou a Úmbria (Perúgia). O seu score nacional é baixo, dado ser uma formação nortista. Mas subiu de 5,7, nas regionais de 2005, para os actuais 12,7.

As reformas será a Liga a determiná-las. Defenderá os ´interesses do Norte` e tentará fazer avançar, contra o sul, o ´federalismo fiscal`, com ´todos os riscos inerentes à unidade nacional´."


Agora da Lusa:

"5:51 Sábado, 9 de Jan de 2010

Roma, 09 Jan (Lusa) - Pelo menos nove imigrantes ficaram feridos na sexta-feira, dois deles com gravidade, durante uma verdadeira caça ao imigrante desencadeada pela população de Rosarno, na Calábria, depois de confrontos entre imigrantes e a polícia, numa manifestação na quinta-feira.

De acordo com o governador civil de Reggio di Calabria, o balanço total dos incidentes é de 37 feridos, 19 imigrantes e 18 polícias.

Em ataques separados na sexta-feira, dois imigrantes ficaram gravemente feridos ao serem agredidos com barras de ferro, cinco foram deliberadamente atropelados por viaturas e dois outros, atingidos com tiros de caçadeira, ficaram feridos nas pernas."


E agora do Correio da Manhã, onde até há um vídeo:

"Segundo a imprensa italiana, mais de cem habitantes ergueram barricadas junto ao local onde centenas de imigrantes realizavam um segundo dia de manifestações, perto da Câmara da localidade. O cerco transformou-se em assalto indiscriminado, durante o qual dezenas de imigrantes foram perseguidos e agredidos.

Os tumultos foram a resposta a uma manifestação de imigrantes que na quinta-feira degenerou em violência. Nessa noite, centenas de imigrantes, na sua maioria africanos ilegais que trabalham nas colheitas, saíram à rua para protestar contra o facto de dois deles terem sido atingidos por disparos de armas de pressão de ar. O protesto tornou-se violento após a intervenção da polícia, e em resultado disso centenas de carros foram incendiados e inúmeras casas e comércios apresentavam estragos significativos. A tensão levou o chefe da polícia, Antonio Manganelli, a enviar um forte contingente de agentes para controlar o território.

Entretanto, na madrugada de ontem, 250 imigrantes foram retirados da localidade, escoltados pela polícia, sob os aplausos da população. Esse grupo ficará num centro de acolhimento em Crotone, a cerca de 170 km, mas outro grupo, mais numeroso, com cerca de 500 pessoas, mantém-se em Rosarno, sob vigilância.

Os tumultos acontecem numa altura em que o governo decidiu fixar em 30% a proporção máxima de estrangeiros que poderão frequentar a escola este ano."


Socorro; quantas vezes?


Olha, ainda há bocado li isto, isto é uma palavra bonita:

"Por última vez, pues, el 11 de abril, ni resignado a morir ni angustiado por la muerte, sino furioso, extraordinariamente irritado por la idea de que pronto ya no estaré aquí, en medio de la belleza del mundo o, por el contrario, en su grisácea insipidez -que en este caso concreto son la misma cosa-, por última vez, diré lo que creo que tengo que decir.

Un jeep solitario en el estrépito de la batalla. Dos hombres de uniforme. Uno de ellos era civil, quizá periodista. El otro era un oficial, primer teniente. Pero lo importante no es eso. Lo importante son sus nombres. El civil se llamaba Egon W. Fleck, el oficial, Edward A. Tenenbaum. Decid estos nombres en voz alta y contened vuestras risas, contened vuestras lágrimas. Dos judíos norteamericanos fueron los primeros en franquear la entrada al campo de Buchenwald, acogidos como vencedores por los hombres en armas de la resistencia antifascista.

http://www.elpais.com/articulo/opinion/ultimo/viaje/Buchenwald/elpepiopi/20100405elpepiopi_15/Tes

Hoy, para emplear las palabras del gran escritor europeo Claudio Magris, lo fundamental ya no es luchar contra los totalitarismos, sino combatir los particularismos, convertir esta problemática suma de 27 países libres en una estructura multiforme y orgánica con una misma razón democrática."


LMD, fotograma de 3 godfathers, John Ford


E aqui chegados ponto de partida, situo-me muito perto daquilo que Maria Velho da Costa diz sobre o sentir-se ou não a literatura, e também muito chegado ou formatado, se quiser, pelo Onde jaz o teu sorriso? de Pedro Costa; para mim, é aqui que o 2666 também é morada. Consultório?


posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 08, 2010

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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