terça-feira, julho 13, 2004
"Eram quase seis horas da manhã quando nos aproximámos do molhe, mas a aurora permanecia indecisa, suspensa na bruma cinzenta.
- Vejo marinheiros a correr acolá, à nossa frente - disse eu para Queequeg. - Não podem ser sombras; aposto que o Pequod larga ao nascer do Sol. Anda depressa!" (1)
"Tratem-me por Ismael. Há alguns anos - não interessa quantos exactamente -, achando-me com pouco ou nenhum dinheiro na bolsa, e sem qualquer interesse especial que me prendesse à terra firme, senti vontade de embarcar e de ver a parte aquática do mundo. É uma maneira que eu tenho de afastar a melancolia e de normalizar a circulação. Sempre que sinto um sabor a fel na boca; sempre que a minha alma se transforma num Novembro brumoso e húmido; sempre que dou por mim a parar involuntariamente diante de agências funerárias e a seguir na esteira dos funerais que se me deparam; e, principalmente, quando a neurastenia se apodera de mim de tal modo que preciso de apelar aos meus bons princípios para não começar a arrancar os chapéus de todos os transeuntes que encontro na rua - percebo então que chegou a altura de voltar para o mar o mais depressa possível. É a minha maneira de fugir ao suicídio. Enquanto, com um gesto filosófico, Catão se lançou sobre a espada, eu, tranquilamente, vou para bordo. E não há nisto nada de surpreendente. Ainda que, inconscientemente, quase todos os homens sintam como eu, numa altura ou noutra da vida, a atracção pelo oceano.
Herman Melville, "Moby Dick".
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, julho 13, 2004